Não sou saudosista. Detesto aqueles discursos de que “no meu tempo, as coisas eram melhores”, porque não eram. Mas, é fato, passamos por mudanças tecnológicas que, se por um lado, propiciaram a livre circulação de informação, que estão mudando a própria consciência da sociedade, por outro facilitaram a picaretagem deslavada.
Uma das coisas que mais me irrita é perceber que um aluno baixou um texto pronto, trocou Jesus por Eduardo, ou nem isso, e o entregou. Já peguei frases como “por isso, pretendo abordar nesta pesquisa de doutorado…” ou “em nossa participação no evento de Caxambu…” perdidas no meio do texto. Ou seja, o gênio nem leu o conteúdo que estava copiando. Ctrl+C, Ctrl+V, botou uma capa ridícula do ClipArt e mandou por e-mail.
OK, atire a primeira pedra quem nunca fez um trabalho de escola copiando a mão no papel almaço ou datilografando no sulfite um trecho da Barsa, Mirador ou Conhecer (#trash80s).
Defendo que conhecimento seja livremente reproduzido e ideias e trabalhos acadêmicos, artísticos, culturais, jornalísticos compartilhados sem restrições. Os produtores de informação vão ter que se aprofundar nas formas de obter recursos para garanti-la (e esse talvez seja o grande desafio de nossa era). Limitar, portanto, o seu alcance uma vez que entra na rede é risível. O conteúdo vai circular, quer o seu “dono” queira ou não. Mas minha reclamação não é essa, mas sim a ausência de citação de fonte e de autor ao reproduzir informação.
Quando interpelei um aluno, tempos atrás, a peça-rara ficou amuada, mas foi para o ataque – que é, sempre, a melhor defesa. Bradou que, em uma sociedade da informação, não mais faz sentido dizer a quem pertence determinada produção, até porque ela não é fruto do trabalho individual, mas do acúmulo coletivo. Boa tentativa pós-moderna – só que não. Pois dizer de onde veio um argumento não é apenas questão de honestidade intelectual, mas ajuda a entender a natureza do próprio pensamento em questão, posicionando-o no tempo e no espaço. E valoriza os produtores de conhecimento que, reconhecidos por isso, podem obter formas de continuar produzindo.
A facilidade de conseguir informações já em formato pronto para ser jogado no software de edição de textos facilitou a reprodução de conteúdo pelos alunos. Como devem ser poucos os professores que fazem um debate sem preconceitos sobre isso, o comportamento é internalizado como comum e levado para outras esferas da vida. Por exemplo, uma das sensações mais deprimentes é receber uma reportagem produzida por alunos de jornalismo que, quando processada por programas que apuram plágio, não se sustenta como coisa inédita. As entrevistas foram publicadas em um jornal, a análise saiu de uma outra revista, até as fotos acabaram por serem obtidas no Google. Tudo bem que o trabalho da imprensa é fazer curadoria, mas isso já é demais.
Quando critiquei o caso em uma aula, um grupo de alunos retrucou. Disse que, na prática, é isso o que eles fazem diariamente como estagiários nas redações em que trabalham: Ctrl+C, Ctrl+V.
Eles têm um ponto. Reescrever com classe textos de outros veículos ou despachos de agências de notícias é considerado arte em alta hoje no jornalismo dado os altos custos de manter repórteres para produzir conteúdo próprio. No limite, profissionais de imprensa são instados diariamente a “cozinhar” material de terceiros sem citar fontes ou o responsável pelo esforço de reportagem. Há um amigo que, inclusive, ouviu de seu chefe a ordem para que o horário de publicação de uma notícia plagiada fosse ajustada para antes do horário da notícia original do concorrente. O horror, o horror!
Como muitos professores nem se preocupam em ler ou corrigir um texto, desde o ensino fundamental até a faculdade, a omissão de docentes é visto como um passe-livre . Como diria o filósofo Al Bundy, de “Married with Children”, só é crime se te pegam.
Isso, aliado às necessidades e limitações de determinadas profissões e empresas, produz um contexto em que a cópia sem reflexão e citação de origem não apenas é tolerada, mas incentivada. Dessa forma, a responsabilidade por erros também é diluída. Se ninguém os produziu, ninguém é culpado.
Fonte: Blog do Sakamoto