a manhã sendo.
cinco e vinte da matina.
acordei madrugador – ave de plumas livres -, e fui à praia; gaivoticamente.
a bruma, leve, levita.. o mar, em ondas, vem e vai (“tu vas, tu vas et tu viens…”), marulhando uma voz macia de ressaca hídirca..
ao longe, percebo a imagem caminhante e rechonchuda de uma criatura com longas barbas brancas, qual um papai noel de shopping.
como é sexta-feira, dia de oxalá, o sujeito flana pela enseada de niteroi, terra de arariboia, todo vestido de branco, como se fosse uma daquelas vendedoras de acarajé.
enquanto caminhava, chutava as pequenas marolas que lambiam os seus pés descalços.
a calça, feita de saco de farinha, levemente dobrada acima dos tornozelos, revelava um naco das canelas finas.
por um instante parou.
acendeu, lutando contra o vento, um grosso charuto, à cubana.
baforou e olhou pro céu.
perfilava, ereto, a observar o vivo voo das gaivotas.
eu, sentado em lótus, observava e absorvia.
saberá deus o que se passa pela cabeça de um homem encanecido em um momento como esse?
decidi perguntar:
– tu, vovô, como te chamam?
o homem, num átimo, virou-se com um sorriso jovial e amistoso, e respondeu-me com outra pergunta:
– quem pergunta?
– chamam-me saudade.
respondi.
– a mim, chamam solidão.
devolveu-me.
apertamos a mão um do outro, como se fóssemos dois velhos amigos a se olhar num espelho.
ele deu-me o charuto, eu dei-lhe as costas e seguimos.
ele indo e eu voltando.
o mar, indiferente, ia e vinha.
gaivotas em volta.
esse, contarão mitômanos mitólogos, foi um raro encontro feliz entre a saudade e a solidão.
nada de lágrimas, nem de lamentos.
nunca mais.
palavra da salvação.
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