Haitianos e o nó histórico das políticas imigratórias no Brasil

Vejam a coincidência:

O episódio da leva de haitianos que têm entrado no Brasil por obra dos chamados “coiotes” tem provocado reações ambíguas. Dividido entre aplicar o rigor da legislação imigratória e flexibilizá-la, o governo optou pelas duas coisas. Em manchete de primeira página do jornal O Globo do último dia 11, quarta feira, lia-se:

Brasil fecha fronteiras para conter ‘invasão’ de haitianos

Contra atuação de coiotes, governo vai reforçar fiscalização e controlar vistos de trabalho

A matéria dá conta de que o governo regularizará a situação dos que já estão no país, cerca de 4 mil, e que a embaixada do Brasil em Porto Príncipe concederá apenas 100 vistos de trabalho mensais a haitianos.

Na edição do dia 12, quinta-feira, também em matéria de primeira página, o jornal mostra que o governo avançou na flexibilização:

Haitianos poderão trazer suas famílias

Os que obtiverem o visto poderão trazer pai, mãe, cônjuge, companheiro ou companheira, filhos menores ou até 24 anos, se solteiros, e os vistos concedidos a esses familiares não entrarão na cota estabelecida. A matéria é complementada na edição do dia seguinte, 13.

Bem, não entro no mérito das decisões, pois o meu ponto é outro. Surpreendeu-me a manchete de primeira página do jornal neste domingo, 15 de janeiro:

Brasil vai facilitar visto de trabalho para estrangeiro

País quer atrair europeus qualificados mas desempregados pela crise

E o complemento da notícia: “Coordenador da equipe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) que elabora a nova política, Ricardo Paes de Barros diz que a ideia é estender tapete vermelho para os europeus desempregados pela crise e estabelecer limites para a entrada de imigrantes que fogem da pobreza – como vem acontecendo com os haitianos“. [grifos meus]

Sutil como um elefante. Mas faz sentido. O coordenador, pelo menos, é franco, e sua posição não traz qualquer novidade. A política de branqueamento faz parte da nossa tradição. O Dr. João Baptista de Lacerda previu, em 1911, em Londres, que em cem anos os negros e indígenas estariam “extintos” no Brasil. Portanto, a ideia de barrar a entrada de africanos, ou melhor, de negros faz parte do processo. Aí está o nó histórico a que me referi no início. Cito apenas dois instrumentos legais para exemplificar:

– Dec. Lei nº 7.969 / 1945, baixado por Getúlio Vargas:

“Atender-se-á, na admissão dos imigrantes, à necessidade de preservar e desenvolver, na composição étnica da população, as características mais convenientes da sua ascendência européia”.

– E o Decreto nº 525 / 1890 (logo após a abolição da escravatura…), que tornou LIVRE a imigração, “excetuados os indígenas da África ou da Ásia”, os quais “somente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admitidos”.

Nem precisa pedir a Freud para explicar.

Resta saber se a posição do coordenador da SAE é só dele ou também do secretário da pasta e da presidente Dilma.

+ sobre o tema

São Paulo: Pinacoteca recebe cerca de 40 obras na exposição ‘Teoria da Cor’ do fotógrafo Miguel Rio Branco

Um dos mais destacados fotógrafos brasileiros do cenário contemporâneo,...

Dilma nomeia Pelé ‘embaixador honorário’ do Brasil para Copa 2014

Presidente recebeu rei do futebol nesta terça no Palácio...

A vida de Mandela na tela dos cinemas

Passados 20 anos do início da produção, a cinebiografia...

Cubano que fez greve de fome ganha prêmio humanitário europeu

Guillermo Fariñas ficou 135 dias sem comer em protesto...

para lembrar

Foro Interamericano Afrodescendiente Participación e incidencia de los y las afrodescendientes en la 44 asamblea general de la OEA

Declaracion de asuncion paraguay Foro Interamericano Afrodescendiente Participación e incidencia de...

Barack Obama escolhe música de Kendrick Lamar como favorita do ano

É temporada de listas de melhores do ano, e...

Consciência Negra: conheça nomes que lutaram pelo fim da escravidão no Brasil

Neste domingo (20/11) é comemorado o Dia da Consciência Negra....
spot_imgspot_img

Podcast brasileiro apresenta rap da capital da Guiné Equatorial, local que enfrenta 45 anos de ditadura

Imagina fazer rap de crítica social em uma ditadura, em que o mesmo presidente governa há 45 anos? Esse mesmo presidente censura e repreende...

Juçara Marçal e Rei Lacoste lançam o Amapiano “Sem contrato”

A dupla Juçara Marçal (Rio de Janeiro) e Rei Lacoste (Bahia) lançam nesta sexta-feira (26) o single “Sem Contrato” nas principais plataformas digitais e...

Mulheres sambistas lançam livro-disco infantil com protagonista negra

Uma menina de 4 anos, chamada de Flor de Maria, que vive aventuras mágicas embaixo da mesa da roda de samba, e descobre um...
-+=