Jean Mello – Devaneios sobre a valorização da diversidade

 

Empresas continuam com as mesmas práticas segregacionistas, herança do regime escravocrata. O que muitas delas não sabem é que o público mudou, a geração de hoje, ao contrário daquilo que é divulgado, não aceita qualquer coisa como verdade estabelecida. A prova disso é como injustiças estão sendo divulgadas em redes e mídias sociais. Se as empresas não valorizarem e acolherem a diversidade, ficarão para trás nessa lógica de mercado que elas tanto defendem

Questões formais são observadas nas escolas de educação básica e nos templos universitários. Elas têm sua importância e não nego. Digo ainda mais, são primordiais. Mas elas não devem, sobretudo, ultrapassar o bom senso de observar, com muito cuidado, que o ser humano é muito mais que as regras estabelecidas.

Notas de provas não definem quem o aluno é realmente. A não presença em alguns momentos deve-se, logicamente, provocar professores em tentar perceber quais são os motivos da falta de constância nas atividades. Seria apenas a definição simplista que acusa o outro de pura falta de interesse a solução? Ou dá pra ir mais a fundo?

Instituições maduras questionam-se sempre, regras são fundamentais para produção de ordem [1] e sentido das coisas. Só não podem, de modo algum, sobrepor o que pode nos instigar a ver o outro como legitimo outro, sabendo que esse outro pode estar vivendo uma fase única da vida e que essa fase pode ser interrompida, ou mesmo adiada, por uma leitura equivocada de alguém que representa uma espécie de autoridade [2]. Mais que regras, as pessoas precisam saber de princípios. Mais que imposições, na sociedade atual, também chamada de era da informação, é mais que necessário o entendimento de que o mundo está mudando e muito rápido e, com isso, a forma que as pessoas, sobretudo os jovens, decodificam as informações.

Não é raro, por exemplo, instituições, sem duvidar logicamente da seriedade delas, errar em suas metodologias, mesmo que sejam pensadas por profissionais muito competentes.

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Lógica de mercado, inclusive as mais preconceituosas, não valem mais. Não deveriam nunca ter sido validadas. Não nego que a hegemonia de grandes corporações ainda valem para excluir pessoas. Entretanto, diferente de tempos atrás, mais gente sabe como a oligarquia opera ao barrar, por exemplo, um negro em uma entrevista de emprego apenas por ele ser negro, mesmo que tenha – e ainda tem essa – mais condições de preencher os requisitos estabelecidos pela vaga em questão. E quer a prova de que empresas que trabalham assim, ainda que de modo não declarado, estão sendo vistas com mais desconfiança? Não por 100% das pessoas, mas por grande parte das que antes não falavam nada. Ou até falavam, só que as antigas gerações não contavam com a capilaridade das redes sociais e nem com mídias sociais, como é o caso dos blogs, muitos até com milhares de acessos por dia, para transmitir suas mensagens em tempo real.

E o resultado disso no plano concreto? Denúncias de estabelecimentos comerciais que cometem discriminação racial reverberando pelos canais de comunicação que agora pouco citei, veja quantas foram as notícias que circularam no ano passado e até agora nesse novo ano. Talvez fique de queixo caído.

E não são denúncias pontuais e nem superficiais. Eu mesmo já reforcei algumas delas em meus breves textos. A exemplo, aponto um bem recente que postei originalmente em Baoobaa, nomeado como O que eles falam sobre os jovens não é sério. Bem, já que coloquei algo que eu mesmo denunciei, apoiando ações de companheiros e companheiras de luta social, não vou deixar de colocar algo que não é necessariamente voltado às novas avaliações que grandes empresas estão sendo submetidas, apesar de nem todas terem se dado conta disso. Cabelos Grisalhos, além de um desabafo, é um manifesto contra o racismo. Confira! Veja se tem alguma ligação com a reação de quem é oprimido e está criando formas de perpetuar outra lógica de leitura de mundo, afinal de contas a frase de que a sociedade é assim mesmo não pode nos satisfazer. Alguma coisa temos de fazer para promover algum tipo de mudança social.

O que direi aos meus filhos? Coloca mais lenha nessa fogueira. Recheia esse mar de reflexões. Trata-se de um texto que surgiu após boa leitura de O Racismo explicado aos meus filhos, livro de Nei Lopes. O eixo central do texto, não do livro, são os aspectos da globalização que potencializam as ferramentas para lutar contra as injustiças, mas que, ao mesmo tempo, tornam as armas para promoção do racismo, em uma era em que as informações correm com uma rapidez jamais vista, ainda mais intensas.

Faz-me lembrar, antes de por aqui descrever mais detalhes dessa minha hipótese, de uma frase do Oficina G3: “você já viu os dentes brancos dos comerciais? Falsos sorrisos, slogans e nada mais”!

Recentemente a Federação Brasileira dos Bancos – FEBRABAN, contratou a consultoria do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT para fazer ampla pesquisa para traçar o Mapa da Diversidade no Setor Bancário, levantando nas agências de todo Brasil o número de funcionários negros, mulheres, deficientes físicos para poder, a partir dos resultados, divulgar e perceber qual cenário a situação se encontra. Os detalhes da pesquisa você mesmo pode conferir. Mas não precisa de muito para saber que a questão da diversidade, principalmente a étnica e racial, já tem sido pauta para as grandes empresas. Simplesmente preocupação? De alguma forma estão percebendo que hoje em dia quem não percebe as particularidades do Brasil para trás fica. E será que é exagero de minha parte?

Não é o que diz a pesquisa que foi divulgada em 2010 no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça. O estudo intitulado Driving innovation through diverse perspectives (ou em português, “Gerando inovação por meio de diferentes pontos de vista”) sugere que o lucro aumenta quando nas empresas existe choque de ideias diferentes, ou seja, diferentes pontos de vista de diferentes pessoas estimulam a criação e, em consequência, a inovação no ambiente empresarial. Bem, mesmo sabendo que isso legitima capacidade, produção e criatividade dentro da lógica do mercado, para dizer a pura verdade, sem fugir das colunas capitalistas sistemáticas, dá para demonstrar que as empresas que hoje em dia não olham para isso estão perdidas no tempo e precisam, urgentemente, se repensar.

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Enquanto parte do tempo não passa, isso serve sobretudo para quem se propõe a trabalhar na formação de novos profissionais que desocupam os bancos das universidades e vão desbravar no mundo do trabalho. Quem pensa o aluno apenas pela ótica das provas e das faltas está sendo apenas refém de uma lógica educacional arcaica, egoísta, ultrapassada e limitada. Não é hora de se renovar e assumir que dá para ir além? Em algum lugar ouvi a frase: “vidas passam sem ninguém notar”. Nesse mesmo lugar acho que também pude notar as afirmações: “portas fecham em todo lugar”.

[1] Quando aqui falo dessa palavra um tanto quando conturbada por diversos aspectos, apenas evoco a questão da ordem não como uma violência ideológica que é empurrada goela abaixo, mas, simplesmente, como algo que é necessário. Porém, considero que o sentido dela que é utilizado em nosso cotidiano é bastante questionável.

[2] Aprendi em 2002 em um curso de formação de educadores, na PUC de São Paulo, que autoridade “é a pessoa que ajuda o outro a crescer”. Diferente do autoritarismo, que é apenas práticas que tem o poder de “cercear a liberdade”. Não fui buscar definições precisas em algum dicionário ou em algum livro considerado oficial. Sei apenas, ao lembrar-me de situações que observei ou mesmo pude viver, que essas definições estão corretas.

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