Jean Mello – O machismo está mais perto do que se imagina

por Jean Mello

Cheiro de bom comida que vem da vizinhança, com requinte de amor pela família. Nem sei se quem está cozinhando é homem ou mulher, porque alguns poucos homens estão deixando de ser machistas e não mais pensam que quem tem de alimentá-los ou fazer qualquer outro serviço doméstico é a imagem que implantaram nele de mulher prendada e dedicada ao lar.

Infelizmente nem todos são assim. Gostam de pisar em quem disseram amar, juraram em algum lugar, mesmo que nos atos íntimos e nos recantos dos ouvidos.

Quem isso faz não sabe que comete um dos maiores males, compartilhar qualquer tipo de aspiração com a mulher que encontrou de maneira inusitada e, depois de um tempo do mágico encontro, jogou tudo por algum lugar. Jogou pela janela esperança!

O fundamentalismo cristão classifica como casamento apenas o que é realizado em seus altares. Não é diferente de outras legitimações de união que, na verdade, validam apenas o que está de acordo com suas padronizações. Não anulo a beleza de várias cerimônias religiosas na união de duas pessoas, porém, penso que os desígnios da real aliança ultrapassa um dia em que se foi anunciado ao público presente que duas pessoas vão morar juntas. E qualquer insinuação de que mesmo qualquer cerimônia em distintas religiões tem ligação sistemática – mesmo no ato premeditado da união de uma só carne – não pode soar como radicalismo.

Perceba o exercício da Mídia Tradicional em jogar goela abaixo dos jovens casais a perfeição da convivência a dois.

Pode ser homem com homem, mulher com mulher, homem e mulher, de modo algum terá perfeição, as relações são demasiadamente humanas. Por que a verdade não é dita?

Não se limita às redes das massas, como eles muito gostam de ser conhecidos, apenas por terem grande público em suas programações de alienação. Bobos, pensam que o povo é bobo. Um amigo uma vez soltou uma frase que me fez pensar demais: “idiota é quem vê o povo como idiota”! Para centenas de pessoas aquilo é apenas entretenimento. Se em algum momento da história o jogo virar as pessoas vão cobrar os motivos de terem enfiado tanta besteira dentro dos lares.

São diversas as lógicas machistas replicadas.

O homem é a cabeça da mulher…

A mulher deve servir o homem…

Não discorde de seu marido, ele pode estar vendo alguma coisa que não consegue ver. Pense em seu futuro, se ele olha para alguma mulher na rua ou se deita com ela é porque está apenas obedecendo seu instinto masculino. Não quis casar? Agora aguenta!

Ainda não viu que a função de educar a criança é sua? Apenas se conforme, ele que sai cedo para trabalhar. Cuide do lar da melhor maneira que puder.

São muitas as frases e atitudes, questões históricas que basta apenas parar e observar com cautela para perceber a crueldade disso tudo. Eu mesmo, como homem, olho minhas práticas diariamente para não ir contra aquilo que acredito.

Sexistas, racistas, homens que ignoram tudo! Dá para ver nos círculos abastados ou em portas de bares na periferia.

Em um dia desses estava escrevendo um relatório em casa. Depois das muitas palavras e de ter a certeza de que conseguiria finalizar no prazo, pintou grande vontade de tomar uma gelada. Salvei o documento, desconectei-me das redes sociais, fui em busca da satisfação. Depois de pegar duas latinhas, encontrei um cara de meu bairro que puxou conversa:

– Firmão Jean? Vamos tomar uma?

– Poxa mano, não é fazendo desfeita, vim buscar uma cota pra eu tomar, estou focado em um trampo chato pra caramba que preciso entregar hoje! Mas aí, logo mais vamos tomar uma aqui sim, sem pressa! Beleza?

– Velho, antes de ir embora tenho que te falar uma coisa! Sabe o fulano de tal?

– Sei… O que tem ele?

– Cara, ontem presenciei ele sendo dominado pela mulher, ela discutindo com ele e o mano calado!

– Sério?

– Comigo não tem esses papos não cara! Se ela levantar a voz eu já parto pra cima!

– Mas tem certeza que deve ser assim? Precisa bater nela? Não dá pra conversar e tentar chegar em um acordo qualquer?

– Jean, quem manda na minha casa sou eu (falou gritando o meu conhecido!).

– Poxa cara, não é querendo cortar o papo não (com náuseas daquilo que chegou até meus ouvidos sem eu desejar, a única coisa que queria era a breja mais gelada que peguei), vou indo nessa.

– Até mais Jean, depois a gente conversa!

– Pode crer…

Não me conformo com esse presente século, em que pessoas replicam aquilo que ouviram falar ou que nem ouviram, mas julgaram como o certo. Quem está livre dessas construções que encontra conforto em qualquer braço desse sistema racista e sexista que predomina em dezenas de países? Que sejamos livres disso tudo!

Em falar nisso, dá repulsa em ver a oligarquia financeira que tem grande parte de suas ideologias disseminadas pela velha mídia, pintar várias culturas de modo discriminatório, apontando-as como preconceituosas ou de até racistas ao contrário – quando o que potencializou o racismo e o sexismo, foi justamente o processo colonizatório que hoje insiste em continuar – penso em formas de contribuir para que essas coisas diminuam.

Voltando ao assunto das diversas formas em que na sociedade as mulheres são subjugadas, sobretudo as mulheres negras, uma das manifestações de maior crueldade encontra-se em meio aos evangélicos. Em qualquer culto em seus suntuosos templos lotados não apenas de gente, mas de prepotência e arrogância, ou discursos que ocupam amplo espaço na blogosfera e nas grandes redes interessadas apenas no dinheiro, sem se importar de que lugar esse mesmo vêm, dá a impressão, segundo o que falam, que as mulheres não pensam. Como sair desse emaranhado de lama?

Escrevendo esses pensamentos nem tenho a pretensão de que digam que quero ocupar um lugar de um homem que resolveu defender as mulheres. Movimentos e ações que elas criaram são maiores que qualquer palavra minha dita por aqui! Aliás, se posso dizer qualquer coisa desse teor, é pelo que mulheres – lógico que em grande maioria as negras – ensinaram-me como ser verdadeiro homem. Como diz Emicida ao citar sua mãe como sua principal referência, as palavras sábias da dona Jacira. Em meu caso, Marilene de Mello.

Penso que o machismo ainda permanece em muitos casos como cruel forma de reprodução do que se aprende, com o agravante de muitas pessoas colocarem a culpa nas mulheres. É quase que o mesmo de culpar negros pelo racismo, não faz o menor sentido. Isso não anula a gravidade e mesmo a responsabilidade de quem comete. Entretanto, enquanto indagação minha, mesmo com todas as atuações de competência que temos no Brasil, de pessoas ligadas aos movimentos sociais, por quais motivos a força dele ainda é espantosa?

Enquanto paro pra pensar em possíveis respostas, faço um apelo aos homens todos. Quando tiver uma louça na pia lave você mesmo! Quando tiver qualquer atividade doméstica que você julgue feminina, faça antes dela , sempre que puder. Proponha a divisão de tarefas. Lógico que o machismo não se restringe à isso. Mas dê um passo, seja homem! Comece a deixar de ser machista pelas coisas aparentemente pequenas, você vai perceber o quão grande elas são e o quanto a cada dia pode se superar. Se realmente tentar vai se surpreender com você mesmo!

Não finja que está ocupado para não fazer. Se fizer isso, pode ter certeza de que em muitos casos a mulher que você jurou amar ficará ainda mais afeita contigo, porque, provavelmente ela vai perceber que não a trata como uma serviçal. Será bem melhor começar a ser homem de verdade.

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