Por: CRISTINA SERRA
Do JN no Ar
Uma região do Brasil traumatizada pela violência no campo recebeu na sexta-feira (25) a visita da equipe do JN no Ar. O oeste e o sudoeste do Maranhão têm os mais preocupantes índices de conflitos agrários no país.
O que mais chocou foi constatar que muitos trabalhadores são explorados como se fossem realmente escravos. Estamos no século 21, e a abolição foi no século 19. O trabalho escravo se insere em um contexto mais amplo de violência no campo, em que muitos trabalhadores vivem ameaçados de morte e amedrontados.
A primeira parada do JN no Ar foi em Imperatriz, no sudoeste do Maranhão. De manhã cedo, a equipe partiu para uma das regiões mais afetadas pela violência no campo.
Em Buriticupu (oeste), no começo de abril, o sindicalista Raimundo Alves Borges, o ‘Cabeça’, foi executado a tiros por pistoleiros. Raimundo havia denunciado a ação de grileiros de terras. Seis suspeitos de envolvimento no crime estão presos. Um deles confessou que o bando receberia R$ 5 mil pela morte de Raimundo. A viúva dele, Raimunda dos Santos, teme, agora, pela vida dos filhos:
‘Eles levaram meu marido e eu não quero que eles levem meus filhos.’
Segundo a comissão Pastoral da Terra, o Maranhão é hoje o estado com o maior índice de violência no campo. São 286 áreas de conflito pela posse da terra, sete pessoas foram assassinadas em 2011 e três em 2012; 106 estão ameaçadas de morte. A Pastoral afirma que nenhuma tem proteção policial.
Flávio Pereira, coordenador do Comitê de Políticas Públicas, ONG que luta contra crimes ambientais, é um dos marcados para morrer.
‘A gente meio que não consegue dormir tranquilo. A gente não consegue ficar tranquilo na cidade, porque a sensação que temos é mesmo de impunidade’, desabafa.
‘Fazendeiros são mandatários do poder político local. É uma relação muito próxima com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o que dificulta muito a apuração desses crimes’, afirma Diogo Cabral, advogado da CPT.
Trabalho escravo – A violência no campo é agravada por outro problema. Açailândia (também no oeste do estado) é um foco de aliciamento de mão de obra para o trabalho escravo.
Na maioria das vezes, a fiscalização encontra os trabalhadores em fazendas de gado, áreas de desmatamento e carvoarias clandestinas. Os trabalhadores são submetidos a jornadas exaustivas. Ficam presos a dívidas com os patrões porque são obrigados a comprar alimentos e remédios nas próprias fazendas. Muitos nem recebem o pagamento e são ameaçados por vigilantes armados. Ou seja, são trabalhadores vivendo, praticamente, em regime de escravidão.
Um rapaz, que pede para não ser identificado com medo de represálias, conta a história de um parente, assassinado há quatro anos, quando foi pedir ao fazendeiro para receber um pagamento atrasado:
‘Uma das maiores dificuldades que ele tinha era questão na hora de receber, entendeu? Que foi o momento que ele foi falar com o fazendeiro para pegar o dinheiro pelo serviço e aí foram assassinados, tanto ele como o seu colega de trabalho’.
O ex-trabalhador rural Bento da Silva conhece a realidade do trabalho escravo desde muito jovem. Caiu na conversa de um aliciador. ‘Quando nós chegávamos lá, minha irmã, era outra coisa. Nós caíamos no escravo. Trabalhávamos 60, 90 dias’, conta.
Ele conseguiu escapar, mas, por necessidade, voltou a trabalhar nessas condições até ser resgatado pela fiscalização do Ministério do Trabalho, quatro anos atrás.
No Maranhão, de 1995 até hoje, a fiscalização conseguiu libertar quase três mil trabalhadores, mas é difícil punir os responsáveis por esse crime.
‘Não é fácil entrar com ação na Justiça, o trabalhador muitas vezes tem medo’, diz Nonnato Masson, advogado do Centro de Defesa da Vida.
Apesar das dificuldades, os trabalhadores resgatados conseguem encontrar caminhos para refazer a vida. O Centro de Defesa de Açailândia formou uma cooperativa para dar a eles a possibilidade de um trabalho digno.
A ex-trabalhadora rural Elenilde Fernandes foi vítima do trabalho escravo. Acumulou dívidas com o patrão.
‘Quando a gente ia acertar no fim do mês, não tinha como, já estava devendo’, lembra.
Hoje, ela é marceneira numa cooperativa que fabrica móveis e brinquedos. ‘Eu acredito que vá melhorar ainda mais’, opina. ‘Hoje eu me acho no céu.’
O governo do Maranhão disse pela assessoria que repudia o trabalho escravo e que tem feito ações para combater essa prática. Disse também que criou há três anos uma delegacia agrária especializada para investigar crimes no campo, e que desde então os casos de violência têm sido investigados. Por fim, disse que desde o ano passado não recebeu nenhum pedido para proteção de trabalhadores e lideranças rurais ameaçadas de morte.
MA tem 23 nomes na ‘lista suja’ do trabalho escravo
POR OSWALDO VIVIANI
O estado do Maranhão tem 23 nomes na chamada ‘lista suja’ do trabalho escravo, cuja última atualização foi feita pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em 31 de dezembro de 2011. O estado é o 4º no país com mais nomes na lista, atrás apenas de Goiás (24), Mato Grosso (25) e Pará (70). Um total de 294 infratores (pessoas físicas e jurídicas) compõe a relação, que é atualizada de seis em seis meses.
Santa Luzia do Tide (a 294 quilômetros de São Luís, no oeste do estado) é o município maranhense no qual mais empregadores – seis, no total – foram flagrados pelos grupos móveis do MTE explorando mão de obra em situação análoga à escravidão.
Açailândia, com três infratores, e Bom Jesus das Selvas, com dois, ocupam o 2º e o 3º posto do ranking maranhense do trabalho escravo. As duas cidades ficam, igualmente, no oeste maranhense.
Também têm nomes na ‘lista suja’ – um cada – os municípios de Carutapera, São Luís Gonzaga, Capinzal do Norte, São João do Caru, Centro Novo, Bela Vista, Monção, Peritoró, Governador Archer, Governador Edison Lobão, Bom Jardim e Codó.
No Brasil, a ‘lista suja’ do trabalho escravo nunca foi tão extensa. Fechou 2011 com a inclusão de 52 empregadores.
Passaram a constar da lista em dezembro grupos de usineiros, madeireiros, fazendeiros e empresários do ramo imobiliário, de supermercados e shoppings, além de políticos e até médicos. A construtora BS, contratada pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), responsável pela hidréletrica de Jirau (no Rio Madeira, em Rondônia, extremo Norte do país) está entre os novos integrantes da relação.
A construtora BS foi flagrada utilizando 38 trabalhadores nas condições análogas à escravidão (de endividamento para com o patrão, além da situação precária dos alojamentos).
Quem for incluído na ‘lista suja’ só sai depois de dois anos, após o pagamento das dívidas trabalhistas e multas. Para ficar fora, a empresa também não pode ser reincidente.
A maior penalidade aos infratores, segundo o diretor de Fiscalização da área no Ministério do Trabalho, Alexandre da Cunha Lyra, é a impossibilidade de obterem crédito em bancos públicos.
De acordo com dados do Ministério do Trabalho, entre 2005 e 2011, foram libertados cerca de 30 mil trabalhadores em condições de escravidão no país. Em 2011 (até o dia 29 de dezembro), foram 2.271, em 158 operações em 320 estabelecimentos
Veja ao lado quem está na ‘lista suja’ do trabalho escravo no Maranhão.
Veja quem está na ‘lista suja’ do trabalho escravo no Maranhão
1. Adailto Dantas de Cerqueira (Fazenda São Jorge, Santa Luzia do Tide)
2. Alcides Reinaldo Gava (Fazendas Reunidas São Marcos e São Bento, Carutapera)
3. Alsis Ramos Sobrinho (Carvoaria do Alsis, Açailândia)
4. Antônio Aprígio da Rocha (Fazenda Barro Branco, Santa Luzia do Tide)
5. Antônio Barbosa Passos (Fazenda Reluz, Bom Jesus das Selvas)
6. Antônio das Graças Almeida Murta (Fazenda Lagoinha, Açailândia)
7. Antônio Fernandes Camilo Filho (Fazenda Lagoinha, Bom Jesus das Selvas)
8. Diego Moura Macedo (BR-316, Km 383, São Luís Gonzaga)
9. Edésio Antônio dos Santos (Fazenda Ilha, Capinzal do Norte)
10. Francisco Costa da Silva (Fazendas Asa Branca 1 e 3, São João do Caru)
11. Gilberto Andrade (Fazenda Boa Fé, Centro Novo)
12. João Feitosa de Macedo (Fazenda J. Macedo, Bela Vista do Maranhão)
13. José Celso do Nascimento Oliveira (Fazenda Planalto 2, Santa Luzia do Tide)
14. José Egídio Quintal (Fazenda Redenção, Açailândia)
15. José Escórcio de Cerqueira (Fazendas Santa Bárbara e Bom Jesus, Monção)
16. José Rolim Filho (Fazendas São Raimundo e São José, Peritoró)
17. Lidenor de Freitas Façanha Júnior (Fazenda Maria de Jesus, Governador Archer)
18. Max Neves Cangussu (Fazenda Cangussu, Bom Jardim)
19. Nyedja Rejane Tavares Lima (Fazenda Thâmia, Santa Luzia do Tide)
20. Ramilton Luís Duarte Costa (Fazenda Terra Bela, Governador Edison Lobão)
21. Roberto Barbosa de Souza (BR-222, Km 413, Santa Luzia do Tide)
22. Rui Carlos Dias Alves da Silva (Fazendas Agranos, Sanganhá e Pajeú, Codó)
23. Vilson de Araújo Fontes (Fazenda Cabana da Serra, Santa Luzia do Tide)
Fonte: Jornal Pequeno