Jornalista do DF tem foto publicada em post falso na web: ‘Vende-se bebê’

Polícia apura ‘crime pela internet’; vítima diz identificar racismo e machismo.
Há duas semanas, outra jornalista do DF foi alvo de ofensas em rede social.

Por  Mateus Rodrigues, do G1

A Polícia Civil do Distrito Federal investiga publicações ofensivas divulgadas em uma rede social nesta segunda-feira (11) com a foto da jornalista Raíssa Gomes, de 25 anos, moradora de Brasília. A mensagem foi veiculada em um grupo de compra e venda de produtos em Salvador e usa uma imagem dela grávida com a mensagem “Vende-se um bebê! R$ 50. Como não achei Cytotec [remédio abortivo proibido no Brasil], eu e minha mulher resolvemos vender a criança”.

O post foi publicado às 14h desta segunda. A ocorrência foi registrada horas depois na 2ª DP (Asa Norte). Segundo Raíssa, um amigo que mora em Salvador soube da mensagem e a avisou pela internet, minutos depois. “Eu não denunciei no próprio site, justamente para ficar mais tempo e conseguir registrar. Nunca tinha passado por isso na internet”, diz.

A foto foi tirada em 2011 e mostra a jornalista grávida de nove meses – o filho completou 3 anos em novembro. Ela conta que a imagem ilustrava um texto de combate ao preconceito, publicado no site de um coletivo de mulheres negras da capital federal.

“Fiz um texto para o site Blogueiras Negras, justamente retratando um caso de racismo que eu sofri porque estava grávida. Acho que ficou no Google, sei lá o que esse povo vai pesquisar. Esse perfil não tem nenhum amigo em comum, nada, nada”, diz Raíssa. Ela afirma acreditar que o autor tenha usado um perfil falso.

A Polícia Civil registrou o caso como “crime praticado pela internet”, mas a vítima diz identificar elementos de racismo e machismo. “Calúnia, injúria, difamação. Eu não sei como eles aplicam a questão racial, porque ninguém xingou ‘sua preta’, então para eles isso não é racismo. Mas sinto como racismo”, diz Raíssa.

Imagem de jornalista grávida é de 2011; foto foi usada em postagem falsa de rede social (Foto: Raíssa Gomes/Arquivo pessoal)
Imagem de jornalista grávida é de 2011; foto foi usada
em postagem falsa de rede social
(Foto: Raíssa Gomes/Arquivo pessoal)

Orientação
Logo que soube das ofensas, Raíssa entrou em contato com a jornalista Cristiane Damacena, também de Brasília, que sofreu ofensas racistas na foto de perfil em uma rede social há duas semanas. O caso de Cristiane é investigado pela polícia, pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e pelo Ministério Público do DF.

“Como a Cristiane passou por isso na semana passada, entrei em contato com ela para saber como lidar. Ela falou isso, para tirar os prints, vir na delegacia registrar ocorrência, depois ir no Ministério Público”, afirma Raíssa. “No caso dela, eles foram direto no perfil, não foi algo aleatório. Mas imagina se eu não conheço ninguém nesse grupo, a postagem ia ficar lá. Talvez, eu nem ficasse sabendo”.

A publicação foi excluída do site por volta das 19h. Enquanto o texto estava no ar, outras pessoas fizeram críticas à publicação e ao suposto comércio de crianças. “Gente se não quer um bb , apos o parto e so ir a uma delegacia e entregar a criança e informar que nao poderá criar (sic)”, afirmou uma usuária do site.

“Tem vários comentários acreditando, me chamando de ‘assassina de crianças’, dizendo que vou arder no inferno. O que mais fiquei pensando é que vou a Salvador, né, bastante. Imagina se alguém me identifica, diz algo assim na rua”, diz Raíssa.

Comentários em postagem falsa que usa foto de jornalista grávida do Distrito Federal (Foto: Facebook/Reprodução)
Comentários em postagem falsa que usa foto de jornalista grávida do Distrito Federal (Foto: Facebook/Reprodução)

Mais racismo
A jornalista foi à delegacia acompanhada do pai, o coordenador de Enfrentamento ao racismo da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Carlos Alberto Santos. Em novembro, o pesquisador diz ter sido alvo de abordagem racista e truculenta por policiais civis em São Sebastião, no DF. Segundo ele, o caso “ainda não deu nada”, mas será reaberto pelo Ministério Público.

A denúncia foi publicada nas redes sociais. Santos afirma que foi algemado, revistado e encaminhado à delegacia por quatro policiais brancos quando voltava para casa. Antes da abordagem, eles teriam pedido passagem no trânsito, mas o pesquisador diz que não havia espaço para dar ré.

“[Na delegacia], ele me aplica uma chave de braço, momento em que me desvencilhei com relativa facilidade, mas dois outros agentes descem as escadas da delegacia já com as armas em punho. O referido agente me aplica um mata leão e diz que usaria a força. Sou levado até o local em que ficam os presos, e o mesmo agente pede que me algeme”, disse Santos na publicação do ano passado.

‘Caso Cristiane’
Moradora do DF, a jornalista Cristiane Damacena recebeu uma série de ataques de cunho racista após trocar a foto de perfil, em 24 de abril. Nos textos, os usuários chamam a jornalista de “macaca” e “escrava” e dizem que o vestido amarelo “lembra a banana pra ela”.

O governo federal abriu procedimento administrativo para apurar o caso, que também é investigado pela polícia local. Se os órgãos identificarem motivação suficiente, uma ação penal pública pode ser apresentada à Justiça ainda neste mês.

O caso de racismo ganhou repercussão na internet. Até a tarde da última quinta-feira (7), a foto postada em 24 de abril já tinha 23,5 mil curtidas, 15,5 mil comentários e 611 compartilhamentos. Na madrugada de quarta (6), Cristiane publicou uma mensagem de agradecimento aos internautas que a defenderam.

“Pessoas queridas, diante de tantas ligações e mensagens de apoio, eu só posso agradecer a todos vocês. Gostaria de responder e abraçar cada um. Sei que não vai ser possível fazer isso. De qualquer modo, obrigada a todos! <3”, diz a publicação, que recebeu 5,8 mil curtidas e 1,2 mil comentários em menos de dois dias.

Combate
Em 2014, o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação no DF ofereceu 47 denúncias com base em inquéritos policiais. Segundo o departamento do MP, a maior parte delas se referia a crimes de racismo e injúria racial. Nos primeiros quatro meses de 2015, 24 denúncias já foram oferecidas e podem ser convertidas em ações penais públicas contra os agressores.

Em abril, a 1ª Turma Criminal do Distrito Federal negou recurso e confirmou, por unanimidade, a condenação do procurador federal Leonardo Lício do Couto pelo crime de racismo, com base em comentários publicados na internet em 2007. O réu foi condenado inicialmente em agosto do ano passado, mas recorreu no próprio Tribunal de Justiça do DF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A sentença foi mantida nas duas instâncias. Cabe recurso.

As mensagens com conteúdo ofensivo foram publicadas em um fórum de concursos públicos. Segundo o processo, o então estudante se autointitulava “skinhead” e pregava ódio a judeus, negros e nordestinos nos textos publicados na internet. Na troca de mensagens em 2007, outro usuário questiona se os comentários são brincadeira, mas a hipótese é negada por Couto.

“Na verdade, não sou apenas anti-semita. Sou Skinhead. Odeio judeus, negros e, principalmente, nordestinos; […] Não, não. Falo sério mesmo. Odeio a gentalha a qual me referi. O ARGÜI deve pertencer a um desses grupos que formam a escória da sociedade”, diziam as mensagens publicadas, que foram anexadas ao processo judicial.

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