O Ministério da Saúde está realizando a campanha #PartiuTeste, voltada para jovens e focada na internet, embora outras mídias também sejam utilizadas. A campanha foi lançada em 1º de dezembro, veiculou no carnaval e continuará durante o ano todo reforçando o mesmo conceito do acesso ao teste e ao tratamento como prevenção do HIV.
Por Fábio Mesquita*, do Cebes
O Brasil é o primeiro país em desenvolvimento a adotar o tratamento como prevenção e o terceiro no mundo, ao lado dos Estados Unidos e da França. Isso significa que todas as pessoas que vivem com o HIV, se assim decidirem, podem iniciar imediatamente o tratamento garantido pelo SUS. Não por acaso o Guia de Tratamento da OMS de 2015 – sendo finalizado agora – segue o Brasil nesta proposta que passará então a ser Global.
A camisinha continua sendo importante, mas a prevenção combinada preconiza a junção de esforços para que seja possível vislumbrar o fim da transmissão do HIV: realizar o teste, usar profilaxias pre e pos-exposição, outra apresentação dos medicamentos para favorecer a adesão ao tratamento (3 em 1), agir contra o estigma e a discriminação.
Entre 2010 e 2014, foram distribuídos gratuitamente 2,2 bilhões de preservativos. Certamente, a camisinha é o insumo mais prático e eficaz para evitar a infecção pelo vírus e continua sendo fundamental nas ações de prevenção, porém, nosso bordão não pode continuar a ser apenas “use camisinha”.
Conforme a série histórica da “PCAP 2014”, 100% dos entrevistados sabem que a camisinha previne o HIV e dizem saber como usar corretamente o preservativo; porém, 45% reportou a ausência do uso do preservativo em todas as suas relações sexuais. A maior vulnerabilidade nesse contexto tem sido dos jovens. No Brasil, embora a epidemia de AIDS seja nacionalmente estável, chama a atenção o fato de que nos últimos 10 anos há um crescimento expressivo na taxa de detecção de AIDS entre jovens de 15 a 24 anos de idade (passando de 9,6 por 100 mil habitantes em 2004 para 12,7 em 2013).
De acordo com o Relatório Situação da População 2014 do UNFPA, existem 1,8 bilhão de jovens no mundo, sendo a população mais jovem da história, da qual 51 milhão estão no Brasil. O Brasil é o 7º país em população jovem no mundo.
A pesquisa “Meu mundo” entrevistou 597 mil jovens de 10 a 24 anos, dos quais 532 eram oriundos de países com baixo IDH. Entre as principais bandeiras desses jovens estão “governos responsáveis e sensíveis” e “saúde”.
Quem tem hoje 10 anos de idade será um adulto de 25 em 2030, ano limite das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, entre cujos desafios permanece a luta contra a aids.
Mas como chegar nesses jovens? Como falar com eles sobre prevenção ao HIV?
Sejamos francos. Por mais que senhores, como eu, tenham sido jovens um dia e dedicados à luta pelo direito à saúde pública são os jovens de agora que devem nos dizer qual é o “papo deles”. Jovens de diferentes grupos sociais, diversas realidades regionais e diferentes “tribos”.
Foi isso que o Ministério da Saúde fez: chamou os jovens para um “papo”.
No mês Agosto de 2014, meninos e meninas lideranças de todo o Brasil (da Rede Nacional de Jovens Vivendo com HIV, de lideranças Trans, Gays, pessoas que usam drogas e profissionais do sexo, professores universitários envolvidos no tema, agências da ONU como UNICEF, OMS e UNAIDS, dentre outros) dialogaram sobre a urgência de explorar novas abordagens de prevenção, sobretudo nos sites de relacionamento e zonas de sociabilidade, espaços offline e online. O objetivo foi ir ao encontro do que é ser jovem em 2014 e, com um olhar diferenciado desse grupo, avançar nas respostas dadas em outros momentos pelo poder público, pelo movimento social de AIDS e pela Academia. . As sugestões da garotada trouxeram também a necessidade de intervenções em sites específicos e modos mais instigantes para falar desses temas, entre outras contribuições decisivas.
A campanha #PartiuTeste surgiu dessa conversa aberta com eles e elas – quem, de fato, precisa ser mobilizado pela mensagem da campanha.
O Ministério da Saúde está conversando sobre todas as sugestões apresentadas, que devem inspirar novas ações, corajosas como esses garotos e garotas que não têm medo do novo.
A iniciativa é parte do projeto voltado para jovens e aids sobretudo jovens homens que fazem sexo com homens, que está começando a ser realizado em caráter experimental no Departamento de DST, Aids e Hepatities Virais. Está sendo desenvolvida uma agenda de trabalho com jovens líderes da resposta brasileira ao HIV e emergentes liderança oriundas de diferentes estados, e a internet será espaço fundamental de atuação desses grupos, além de outras realizações. A propósito, o grupo se mantém em conexão pelo WhatsApp. Comunicação em tempo real.
Com os insights trazidos pelos jovens nesses grupos, criou-se a campanha #PartiuTeste com perfis do Ministério da Saúde nos aplicativos Tinder e Horner (este voltado para gays). Os perfis sugeriram o sexo sem preservativo. Quando o usuário do aplicativo clicava no perfil, à espera de uma interação sexual sem preservativo, uma mensagem de utilidade pública sobre a importância de se proteger contra o HIV surgia na tela. Com linguagem e abordagem adequadas ao contexto do aplicativo, a campanha cumpriu assim parte do seu objetivo de comunicação. Quem clicava nos perfis não era questionado sobre as suas escolhas, práticas ou identidades; também não houve nenhum controle sobre esses acessos ou registro de quem clicou nos perfis. Era a reflexão no ato mesmo da interação que foi buscada por meio dessa iniciativa.
A continuidade da campanha por meio de diferentes ações pretende reforçar as noções dinâmicas de prevenção que nortearam a ação nos aplicativos, buscando acompanhar o dinamismo dos mais jovens. Como disse um jovem usuário, “a aids também usa tinder, galera”.
Nossa avaliação sobre a ação é a mais positiva possível até agora. Tudo leva a crêr que foi uma boa idéia desenvolver essa campanha a partir dos insights da garotada, se considerarmos a imediata repercussão positiva da ação junto ao público-alvo. A resposta à ação ainda está sendo sistematizada pelo Ministério da Saúde, mas as manifestações observadas apontam nesse sentido:
• “mandou bem MS”
• “campanha sensacional”
• “que legal a ação do ministério da saúde”
• “Ministério da Saúde fazendo campanha contra AIDS no Tinder, estou impressionado”
• “Foi uma ótima ideia :-)”
• Nada melhor do que ir exatamente onde o público-alvo está para entregar sua mensagem.
Como usar novas tecnologias para salvar vidas também é um desafio da WHO. O estudo Twiplomacy 2013 mostrou que a WHO está entre os cinco instituições mais dialógicas da rede, entre as mais de 100 pesquisadas. Em janeiro de 2012, o Twitter da WHO tinha pouco mais de 300 mil seguidores; em 2014, já passavam de 1,58 milhões. No Facebook, mais de 2 milhões curtem a página. Alguns escritórios regionais já tinham se mobilizado pelas redes sociais quando a sede assumiu essa tarefa institucionalmente. Nas redes sociais do Ministério da Saúde contabilizamos hoje 1 milhão de curtidas no Facebook e 293 mil seguidores no Twitter.
Se levarmos em conta que quantidade de “seguidores” não define a qualidade da experiência na internet, portanto, a comunicação de utilidade pública que realizamos nos aplicativos certamente merece ampla reflexão; mas não pelos motivos que vem sendo expostos.
No governo brasileiro, agências de publicidade são licitadas para realizar dois tipos de campanha, definidas pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República: publicidade institucional e publicidade de utilidade pública, além da publicidade legal. Cabe ao Ministério da Saúde realizar publicidade de utilidade pública, sendo a Assessoria de Comunicação responsável por responder às necessidades de comunicação dos diferentes setores no organograma do ministério, do qual o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais faz parte.
Alguns pesquisadores mais antigos ainda se referem ao Departamento como Programa, mas o status institucional Departamento está estabelecido desde 2010.
Um dos maiores legados da trajetória da aids no Brasil é a sua comunicação. A aids tem histórico de diálogo conquistado pelas minorias, que ensinaram agências de publicidade a falar sobre temas novos e complexos, a negociar representações nas campanhas olhando nos olhos dos grupos representados. As campanhas convencionais se diluíram no enorme leque de ações de comunicação que se abriram e estão à disposição da saúde pública. Elas não representam de forma única a melhor resposta ou podem ser feitas de forma isolada.
É nesse contexto que o direito à saúde, sem deixar de levar em conta a situação individual de saúde, mantém o olho no bem estar da coletividade. Nessa perspectiva, pautar o direito coletivo à saúde em um ambiente extremamente individualizado como os sites de relacionamento é mais que um desafio: é uma necessidade – que não precisa ser realizada pelo Ministério da Saúde, exclusivamente. Todos estão convocados a promover essas ideias, nas suas redes: use camisinha, faça o teste com regularidade – se der positivo, considere iniciar o tratamento; se der negativo, continue se prevenindo.
O tom adotado nas intervenções nos sites Tinder e Hornet alertou sobre riscos de infecção ao HIV em práticas sexuais desprotegidas, sem apresentar a camisinha como a única solução possível (a testagem também era o mote da campanha). Com isso, incitou a reflexão, respeitando a autonomia dos usuários, sem deixar de chamar a atenção para a sua responsabilidade em relação à sua saúde e a de todos.
Além ter recebido atenção da mídia nacional, a iniciativa foi valorizada por 138 veículos de imprensa em todo o mundo, reforçando o pioneirismo brasileiro.
A ação não se concentrou apenas na internet ou na mídia convencional, levando em conta as desigualdades de acesso à informação e a diversidade de códigos culturais. Para sustentar e acompanhar a possível decisão de mudança de uma prática sem proteção para uma prática com proteção, a campanha adotou um cronograma aberto. A campanha não acabou. Nas próximas decisões, o Ministério da Saúde pretende continuar incluindo o público-alvo, como já foi feito na campanha #PartiuTeste.
Afirmar que o programa (sic) nacional de aids voltou às trevas no entendimento sobre comunicação, como mencionado por um artigo recente, é ignorar todo o trabalho que foi realizado ao longo de décadas em parceira com a sociedade civil.
Esperar que noções como a teoria hipodérmica e o modelo de Laswell, clássicos dos anos 1950, dêem conta do que os jovens, a aids e a internet configuram hoje como um desafio de comunicação em saúde é demonstrar “estar por fora” do que está sendo vivido nas redes e do que está sendo pensado sobre elas.
Infelizmente, embora respeitando a política do Tinder de uso não comercial, a rede social decidiu excluir o perfil utilizado pelo Ministério da Saúde. A medida, por essa perspectiva, chama a atenção para questões como a da responsabilidade social das empresas e dos demais atores que disputam –ou “caçam” – a atenção de meninos e meninas na internet para promover produtos de entretenimento e consumo. Dos internautas, recebemos uma enorme quantidade de mensagens de apoio à campanha e, em seguida, houve a procura de empresas digitais que ofereceram parcerias na divulgação da prevenção da doença.
Em se tratando de aids, o consenso é sempre difícil, pelos temas que evoca, mas fica a pergunta: por que sites, aplicativos e diferentes atores do mundo web não podem apoiar o Brasil e o mundo na luta por uma geração sem o HIV, como fez o Hornet?
Outro exemplo alternativo brilhante e que usa mídia social foi com o pessoal do “Porta dos Fundos”. O grupo de talentosos jovens humoristas criou, roteirizou, interpretou, produziu, dirigiu, por conta própria, uma série para a internet sobre prevenção à aids de excelente qualidade e com linguagem apropriada.
Espero que não me levem a mal, meus velhos colegas de geração, mas agora a gente precisa ouvir também os jovens, para que eles e elas não vejam, como nós vimos, a morte de ídolos em decorrência da aids. A palavra protagonismo tem de fazer sentido no dicionário acadêmico.
Jovem é outra estória, e tem mesmo que ser. #Partiu.
* Médico formado pela Universidade Estadual de Londrina, doutor em Saúde Pública (epidemiologia) pela Universidade de São Paulo. Foi secretário municipal de Saúde em Toledo (PR), Campo Mourão (PR) e Guarujá (SP). Coordenou o Programa de DST/Aids em Santos, São Vicente e São Paulo. Trabalhou 6 anos para a Organização Mundial da Saúde, no Departamento de Aids e hoje é Diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.