Fundado em 1905, The Chicago Defender passa a ser publicado apenas na versão digital por questões econômicas
Do THE NEW YORK TIMES, na Folha de S.Paulo
Década após década, o jornal contou a história da vida negra nos Estados Unidos. Publicou notícias de nascimentos e mortes, de formaturas e casamentos, e de tudo o que acontecia entre os dois.
Por meio de eras de ansiedade, seus repórteres examinaram histórias dolorosas e perigosas, transmitindo detalhes sombrios de linchamentos, confrontos pela integração escolar e tiros de policiais brancos contra homens negros.
Entre uma longa lista de assinaturas importantes, estavam as de Langston Hughes e Gwendolyn Brooks.
Depois de mais de um século, The Chicago Defender [o defensor de Chicago] cessará suas edições impressas nesta quarta-feira (10), segundo anunciou o dono do jornal.
O Defender continuará sua operação digital, segundo Hiram E. Jackson, executivo-chefe da Real Times Media, proprietária do periódico e de outros jornais dirigidos ao público negro em todo o país.
Ele disse que a medida permitirá que a organização jornalística se adapte a um ambiente de mídia altamente desafiador e em rápida mutação, que derrubou toda a indústria de jornais.,
“É uma decisão econômica”, disse Jackson, “mas é mais um esforço para garantir que o Defender tenha mais cem anos.”
Ainda assim, o fim das edições impressas do Chicago Defender representa uma passagem dolorosa para muitas pessoas que cresceram em Chicago e para aquelas que lembram de sua influência muito além desta cidade.
De seus muitos efeitos significativos ao longo dos anos, o Defender contou sobre o sucesso econômico no norte e foi visto como um catalisador na migração de centenas de milhares de afro-americanos do sul.
Em Chicago, era uma constante nas bancas de jornais dos bairros negros e nas mesas de cozinha de lares afro-americanos.
“Quando criança, você sempre sabia sobre The Defender”, disse Glenn Reedus, ex-editor do jornal.
“Estava na casa de todo mundo. Estava no barbeiro, estava em todos os lugares, na zona sul ou na oeste. Havia uma piada que se alguém dissesse que algo havia acontecido e alguém dissesse que não, você sabia que não tinha acontecido se não estivesse no Defender.”
O jornal divulgou notícias de eventos monumentais —o funeral de Emmett Till, a morte do reverendo Martin Luther King Jr., a eleição de Barack Obama—, e a vida cotidiana dos afro-americanos, disse o reverendo Jesse Jackson.
“Nós nunca nos vimos citados em outros lugares em casamentos, funerais, bailes de debutantes, então ele se tornou um verdadeiro quadro de referência das atividades”, disse Jackson.
“Minha carreira não seria o que é hoje se não fosse pelo Defender.”
A imprensa negra dos Estados Unidos, incluindo The Defender, de certa forma nasceu da necessidade, fornecendo um canal para os negros num momento em que não havia outra plataforma para eles.
O primeiro jornal negro, Freedom’s Journal, foi criado em 1827 e defendeu a abolição da escravatura.
Segundo algumas estimativas, mais de 500 jornais de propriedade negra surgiram nas três décadas após o fim da Guerra Civil em 1865, de acordo com um relatório sobre a imprensa negra encomendado pelo Fundo para a Democracia.
A mídia dirigida por negros não só contrabalançava os estereótipos negativos sobre afro-americanos que eram difundidos nos canais da corrente dominante, como também era uma força de ativismo muito influente para as comunidades negras. Ela expôs os terrores do linchamento.
A Associação Nacional de Editores de Jornais, organização comercial de jornais de propriedade de afro-americanos, disse que atualmente há 218 publicações desse tipo em 40 Estados, que atraem 22,2 milhões de leitores entre impressos e on-line a cada semana.
Embora o país possa parecer diferente hoje, os desafios constantes do racismo tornam a imprensa negra igualmente essencial, disse Benjamin Chavis Jr., presidente e diretor-executivo da associação.
“Enquanto o racismo ainda for um problema, você precisará da imprensa de várias fontes, incluindo a imprensa negra”, disse.
Chavis estima que os jornais impressos ainda respondem por cerca de 60% dos leitores da imprensa negra. Esse número, para alguns, destaca os desafios enfrentados por essas organizações de mídia tradicionais.
“A influência hoje está definitivamente diminuindo”, disse Angela Ford, fundadora e diretora-executiva da Obsidian Collection, arquivo para a mídia negra que escreveu o relatório do Fundo para a Democracia.
“O mundo mudou muito com a internet e as mídias sociais. A imprensa negra não tem sido tão ágil quanto a própria tecnologia. Temos que nos atualizar.”
Em 1905, Robert Sengstacke Abbott fundou The Chicago Defender na cozinha de um fazendeiro. Nos anos seguintes, a reputação do jornal chegou muito além de Chicago, em parte graças à ajuda dos carregadores dos trens Pullman, que levavam consigo exemplares do jornal e espalhavam as edições ao longo de suas rotas.
O jornal abordou de frente as questões raciais, editorializando contra as leis de Jim Crow, defendendo a equidade para os afro-americanos nas Forças Armadas e tornando-se um canal essencial para qualquer político que esperasse conquistar eleitores negros.
O Chicago Defender conseguiu sobreviver “sem se conformar com as noções da imprensa branca sobre separar notícias objetivas de editoriais subjetivos”, escreveram Gene Roberts e Hank Klibanoff em seu livro vencedor do Prêmio Pulitzer, “The Race Beat”.
Nos últimos anos, no entanto, “The Defender” vinha lutando com as pressões que dilaceraram o setor de jornais —a queda da publicidade impressa e os leitores voltando-se para a internet.
Até agora, cerca de 16 mil cópias do Defender eram impressas a cada semana, de acordo com Jackson, da Real Times Media, que acrescentou que o jornal tem muito mais leitores on-line.
Os diretores não dão detalhes sobre a situação financeira da publicação nem dizem quantos funcionários trabalham hoje no escritório na zona sul de Chicago.
Em 2015, restavam apenas dez funcionários em tempo integral, incluindo um repórter.
Jackson disse que nenhum membro da equipe será cortado quando a edição impressa terminar.
Em vez disso, afirmou, os funcionários existentes se dedicarão a melhorar a cobertura de notícias no site e nas redes sociais, bem como a expandir os esforços para realizar eventos patrocinados pelo jornal e para interessar os leitores pelos vastos arquivos do jornal.
“Estamos nervosos, mas muito animados com isso”, disse Jackson. “O Chicago Defender é conhecido pelo impacto que teve. A única maneira de sermos impactantes é ter um grande público. Não se pode fazer isso com jornais impressos.”
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves