LGBTs relatam experiências opostas em áreas centrais e periféricas de São Paulo

Enquanto insegurança é utilizada para descrever vivência nos extremos, pertencimento é palavra escolhida para o núcleo da cidade

Uma vizinha disparou à mãe de Gabriel Santana, 23, que ele estava beijando outro na praça. Naquele dia, ele foi expulso de casa, em Parelheiros, extremo sul de São Paulo. Era 17 de agosto de 2022. Com ódio, o jovem juntou roupas e calçados em sacolas plásticas. Sem rumo, partiu.

Desempregado, ele encontrou abrigo na casa de colegas. Quatro meses depois, concluiu a licenciatura em letras, na USP (Universidade de São Paulo), e começou a lecionar em um colégio da região central, onde hoje mora. Nunca mais voltou a Parelheiros ou falou com a mãe. O paquera da praça é seu namorado.

“Ela [mãe] não merece me ver feliz. Nem ela, nem aquele bairro homofóbico ao qual nunca pertenci. Nunca. Mas o que fiz para merecer ser jogado na rua?”, questiona Gabriel. “A vida na região central é, certamente, mais convidativa para pessoas como eu.”

A perspectiva é respaldada por Elix Rodrigues, travesti de 21 anos. Atriz e cantora, ela vive em Sapopemba, na zona leste da capital. Lá, humilhações e violências fazem parte de sua rotina. Já foi perseguida e agredida. Ao frequentar bairros centrais, entretanto, afirma sentir-se mais segura.

Ela tem uma teoria para a intuição: a falta de acesso à informação sobre pessoas não cis e hetenormativas por pessoas mais pobres, em sua maioria periféricos, alimenta o medo. Este, instiga o ódio. “Assim, a violência contra LGBTs em locais mais afastados aumenta”, declara Elix.

Sendo travesti, o acesso à saúde é um dos pontos mais sensíveis para ela. Em postos de saúde perto de sua residência, a qual não consegue chamar de lar, é tratada com desgosto. Quando busca auxílio no centro, encontra melhor preparo e acolhimento.

Aceitar sua identidade também foi tarefa atribulada em razão de seu entorno. Quando muito garota, entendeu-se gay. Mais tarde, a bissexualidade lhe cabia melhor. Depois, não se encontrava na lógica binarista. Por fim, era travesti.

Temerosa, assumiu-se aos 13 anos. Os familiares nunca aceitaram e ainda a chamam por nome e pronome mortos.

Gustavo Coutinho, advogado membro da ABGLT (Associação Brasileira de Travestis e Transexuais), diz ser injusto adjetivar os limites da cidade como homofóbicos. “Há muitas histórias de acolhimento a LGBTs nesses locais”. Para ele, periféricos se sentem, na realidade, mais seguros para viver sua identidade longe dos pais.

O sociólogo Felipe Gomes, 30, discorda. Morador da Santa Cecília, na região central da capital, ele diz ser o ambiente um fator preponderante à insegurança. “Meus pai e minha mãe nasceram no Capão Redondo, na periferia da zona sul. Moramos juntos e, juro, em nenhum momento da minha existência tentaram coibir minha orientação. Nunca”, declara ele.

Felipe é bissexual. Namorou homens e mulheres —muitos, ressalta. Apesar do apoio dos progenitores, prefere performar masculinidade quando visita o restante da parentada, ainda habitantes do extremo sul. Tios, primos e avós são extremamente intolerantes, afirma. Ele, no entanto, evita condená-los.

“Há mais pessoas homo e bissexuais, além de trans e travestis vivendo plenamente suas identidades no centro. O convívio consegue destruir preconceitos. Em bairros afastados, elas aparecem menos”, declara Felipe.

Por justamente ver maior quantidade de pessoas iguais a ela, Paula Rosilho, 36, sente-se segura ao transitar nos arredores do condomínio onde vive, na Bela Vista, na região central paulistana. Ela é lésbica.

Paula Rosilho, 36, moradora da Bela Vista, na região central de São Paulo (Foto: Karime Xavier/Folhapress)

“Pela minha experiência, a vivência LGBT+ é mais segura e agradável em ambientes nos quais somos muitos. Quanto mais estamos pelos espaços, isso sendo quem somos, acompanhado de quem amamos, mais nos sentimos seguros”, diz. Paula vive com a companheira, Mariana Catacci, 22.

Segundo o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTQIA+, elaborado por organizações de todo o país, São Paulo foi o segundo município em número de homicídios do grupo no último ano. Foram 11. A SSP (Secretaria da Segurança Pública) paulista, no entanto, não tem dados sobre o tema. Em nota, ela afirma ter intensificado ações de combate à violência e intolerância.

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