Longe e calados, presos ou mortos? O Plano Juventude Viva em São Paulo – por Douglas Belchior

JUVENTUDE VIVA EM SÃO PAULO: É verdade que não se trata de uma tarefa fácil. Afinal, não será possível atender os interesses dos cartéis do transporte público, da especulação imobiliária, dos mega eventos enfim, das elites de São Paulo e ao mesmo tempo negar a eles um sistema de segurança que garanta negros e pobres muito longe e calados, presos ou mortos.

por Douglas Belchior

A mortalidade por homicídios continua a ser um debate urgente e necessário. O Brasil ultrapassou a marca de 1 milhão de vítimas de assassinato entre 1980 e 2010. Segundo o Mapa da Violência 2012 o número de homicídios passou de 13,9 mil em 1980 para 49,0 mil em 2010, um aumento de 259%. Nesse período a taxa de homicídio passou de 11,7 para 26,2 em cada grupo de 100 mil habitantes. Segundo o análise da Unicef/SDH/LAV, há uma projeção de que 32 mil adolescentes serão mortos violentamente entre 2007 e o final de 2013. Com esses números o Brasil se estabelece entre os países mais violentos do mundo. Esse mesmo estudo revela que a possibilidade de um adolescente negro ser vítima de violência é 3,7 vezes maior em comparação com os brancos.

A indignação aumenta ao perceber que grande parte da violência e dos homicídios são promovidas justamente por aqueles que deveriam evitá-los. Segundo a Anistia Internacional, em 2011, o número de mortes por autos de resistência apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo foi 42,16% maior do que todas as execuções promovidas por 20 países em que há pena de morte! Em São Paulo só em 2012, 546 pessoas foram mortas em decorrência de confronto com a Polícia Militar. Para se ter um parâmetro do escândalo genocida que vivemos, basta lembrar que os movimentos de defesa de direitos humanos reivindicam a morte e desaparecimento de 426 pessoas em 21 anos da ditadura civil-militar, iniciada em 1964. Óbvio que são números oficiais. É certo que a ditadura tenha assassinado muito mais. Mas os números de 2012 também são oficiais, logo…

Na cidade de São Paulo, de acordo com o IBGE, 56 % dos jovens vítimas de homicídios são negros. Esse número atinge 71% nos casos de jovens mortos em confronto com a polícia. Esses índices se reproduzem nas cidades da região metropolitana e por  todo o Estado. 

A ação dos movimentos negros e do movimento social que há tempos denunciam o genocídio da juventude negra e exigem que cesse as mortes promovidas por agentes do estado tirou o tema da invisibilidade política. E é por não poder mais ignorar a guerra em que estamos mergulhados que o Governo Federal propôs um programa que tem como pressuposto a admissão e o reconhecimento de que presenciamos um verdadeiro genocídio da juventude negra no Brasil. Como resposta, o governo lançou o Plano Juventude Viva, que “visa reduzir a vulnerabilidade dos jovens negros da periferia às situações de violência física e moral (…) A ideia é que o Plano leve aos territórios mais vulneráveis um conjunto integrado de políticas públicas municipais e federais que promova a inclusão social e a garantia de direitos”.

Na capital de São Paulo, o prefeito Haddad já percebeu o quanto há necessidade em se combater a ação criminosa das polícias e milícias já que tem sido essa uma demanda presente nos diálogos que foram promovidos com diversos setores da sociedade, em especial com a juventude.  O governo municipal através das Secretarias de Direitos Humanos e Cidadania – com sua Coordenadoria de Juventude, em conjunto com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial serão responsáveis pelo trabalho. Seus gestores, a bem da verdade, mostram-se empolgados e comprometidos com a tarefa. Mas é preciso mais que boa vontade:

São Paulo pode e deve tornar o Plano Juventude Viva uma prioridade. Há de se investir recursos próprios e suficientes, além de levá-lo a todas as “quebradas” da cidade. Priorizar a luta pela vida dos jovens é a melhor forma de constranger o Governo Federal e todos os outros a fazer o mesmo. É preciso contrapor a política de segurança pública de Alckmin, combater a bancada da bala na Câmara Municipal, acabar de uma vez por todas com a operação delegada e abrir canais de denúncia eficazes e seguros.

É verdade que não se trata de uma tarefa fácil. Afinal, não será possível atender os interesses dos cartéis do transporte público, da especulação imobiliária, dos mega eventos enfim, das elites de São Paulo e ao mesmo tempo negar a eles um sistema de segurança que garanta negros e pobres muito longe e calados, presos ou mortos.

Com a palavra, o Prefeito Haddad.

 

 

Fonte: Carta Capital

+ sobre o tema

A morte do leão Cecil e as mortes anônimas do Brasil

A imagem do leão Cecil, abatido no Zimbábue pelo...

Afinal, o que aprendemos com o BBB20?

O Big Brother Brasil, em uma edição chamada por...

Band é condenada por exibir reportagem que viola direitos humanos

Ao zombar de entrevistado Mirella Cunha "superou qualquer limite...

Epidemia de mortes de jovens negros e pobres no Brasil

Há poucas semanas, no dia 27 de outubro, o...

para lembrar

Shoppings mudam estratégia e tentam atrair adeptos do rolezinho

Por Wanderley Preite Sobrinho Associação de shoppings planeja evento cultural...

Ele perguntou se eu preferia maçã, conta vítima de racismo em Confins

Preso em flagrante por injúria racial, advogado terá que...

Imigrantes qualificados enfrentam discriminação no trabalho

Um estudo da Comissão Federal contra o Racismo...

Articulações negras importam

Em um cenário marcado por uma crise de caráter...
spot_imgspot_img

Justiça do Rio arquiva investigação contra universitário baleado por PM e mototaxista acusados falsamente de roubo

A Justiça do Rio de Janeiro arquivou a investigação contra o estudante universitário Igor Melo de Carvalho e o motociclista Thiago Marques Gonçalves, acusados falsamente de...

Os incomodados que se retirem

O racismo "dói na alma". Palavras de um jovem atleta que carrega consigo "um defeito de cor" que se sobrepõe ao talento: é negro. Essa é...

A polêmica tem nome: racismo

O carnaval chegou ao fim, tiremos a fantasia. Existe um nome para a polêmica sobre os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial. Sete letras....
-+=