Marchamos porque sabemos que as transformações não virão como presentes

Somos 25% da população brasileira. Somos 202 milhões de brasileiros. Somos 50,5 milhões de mulheres negras. Um quarto da população brasileira é composta por mulheres que se autodeclaram negras e pardas. Agora, todos nós, juntos, imaginemos se 1% destas mulheres após alguns anos de organização resolvessem, não por acaso, sair de seus Estados de origem para se encontrar no dia 18 de novembro, às 11h, em Brasília? Após tantas contas – fica fácil – teríamos, no mínimo, 50 mil mulheres negras reunidas e, cá entre nós, 50 mil mulheres, negras ou não, é um número considerável, não é mesmo? É gente, muita gente! Poxa, gente, quanta gente.

Por Renata Martins Do Brasil Post

Pelo menos era o que eu achava; que essas gentes, eram gentes em quantidades a estremecerem os meios de comunicação, mas, para grande mídia, não era. Só seria se fossem 50 mil torcedores em final de campeonato. Por fim, uma nota aqui, outra ali, nada muito levado a sério. Talvez porque todas essas mulheres tenham duas coisas incomum: melanina e voz.

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Há mais de 500 anos aprisionaram nossos corpos. Há 127 disseram que libertaram os nossos corpos, porque um dia imaginaram que poderiam nos prender e, ainda hoje, estamos em processo de libertar nossa mente, porque um dia, acreditamos que eles de fato poderiam nos prender.

Este movimento libertador, de empoderamento, de aumentar a voz, de fazê-la soar mais alto, tem por objetivo ampliar todas as vozes em forma de fortalecimento e já sabemos que isso não será pelos meios de comunicação tradicionais, visto que, em textos, áudios ou imagens, as mãos que redigem, capturam o áudio e produzem as imagens, são quase sempre as mesmas; sem melanina, sem calo.

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Durante séculos, décadas, na semana passada, amanhã e hoje, marchamos porque sabemos que as transformações não virão como presentes. Marchamos porque sabemos da invisibilidade em torno de nossas imagens, representação e representatividade. Marchamos porque não dá mais para esperar pelo filho, marido, sobrinho ou pai que não voltarão após um dia de trabalho. Marchamos porque reverenciamos a força de nossas ancestrais. Marchamos na tentativa de interromper o extermínio da juventude negra. Marchamos porque nosso corpo é violentado cotidianamente, nossa alma dilacerada e, por mais que trabalhemos, nos instrumentalizamos, ainda assim, teremos reconhecimento e remuneração menores. Marchamos porque a tentativa de genocídio da população negra não parou em 1888. Marchamos porque as feridas custam a fechar. Marchamos porque temos muitas coisas para contar, netos para embalar, filhos para criar, bocas para beijar, profissões para descobrir e corpos para amar. Marchamos pelo direito ao nosso corpo e a escolha de nossa identidade de gênero, assim como, para quem devemos direcionar o nosso desejo. Marchamos porque ter liberdade de culto não é um favor, é um direito. Marchamos porque terreiros de Umbanda e Candomblé têm sido incendiados, crianças têm sido agredidas e identidade racial, destruída. Marchamos. Marchamos. Marchamos porque não dá mais para levar a pirâmide nas costas, está pesada, está injusta, está desumana.

Ainda que pareça, este texto não é um exercício de imaginação. Semana passada aproximadamente 50 mil mulheres negras, segundo as organizadoras, marcharam em direção à Esplanada dos Ministérios e nem os capitães do mato contemporâneos conseguiram dispersar essas mulheres. Nem a grande mídia conseguiu silenciá-las. Às vezes, alguns esquecem que só quem está na base da pirâmide é capaz de transformá-la por inteiro e que nossa liberdade não foi consentida e, sim, conquistada. Marchamos, sobretudo, porque somos livres.

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