Meu primo, a escola de Campinas e esse Brasil aí

Nesta terça-feira (05/08/17), ao saber da aprovação do Projeto “Escola Sem Partido” pela Câmara Municipal de Campinas, no estado de São Paulo, chateado que estou da vida com esse tipo de Brasil que sobrou, coloquei na rede social a seguinte contextualização:

por MARCONI MOURA DE LIMA BURUM no Brasil 247

“Situação do Brasil é de dar vergonha alheia aos pinguins da Antártida. Cada dia um vexame civilizatório (…) maior que o dia anterior.”

Um primo meu respondeu dessa forma:

“Excelente! Escola não precisa de doutrinação ideológica”, e bateu palmas.

Pois bem! Esse texto é para o meu parente e os que pensarem assim…

Trabalhador, meu primo é um cara honesto, um cidadão de bem que paga seus impostos em dia e que, assim como a maioria dos brasileiros, sonha um País melhor. Todavia, da mesma forma que todos os humanos (inclusive eu), é cheio de preconceitos. No caso dele, tudo que se pareça com abordagem progressista, ou tenha coloração política avermelhada (mesmo que uma singela fala de daltônicos), logo será rechaçado, seja com tônicas mais abruptas, mais generosas, ou mais irônicas. Jamais serão aceitas enquanto perdurar o “trauma” semiótico da preexistência da tal Esquerda – que ainda parece “comer criancinhas” na mentalidade e na cultura brasileira.

O quanto isso tudo é danoso. Como os preconceitos (os meus, inclusive) são potentes na capacidade de cegueira de construção de um novo marco civilizatório ao povo brasileiro, consequentemente, ao seu desenvolvimento, social, econômico, ambiental, cultural, cognitivo. Como não sabemos fazer a autocrítica. Que pena!

Retomando o escopo do problema, o epicentro desse debate tão motivado para baixo, qual seja, a tal “Escola Sem Partido”, pergunto: “como assim, primo: doutrinação ideológica escolar?”. Existe alguma pedagogia que não seja carregada dos acúmulos coletivos e individuais humanos? Pedagogia da Neutralidade? Não há mágico, ou especialista em Educação que explique essa lógica incongruente e, desculpem, por vezes até emburrecida (neologismo do verbo “emburrar”).

Todo ser humano (professor) é carregado de suas crenças, sonhos, teses, subjetividades, e ainda traz consigo os arranjos societários e civilizatórios de sua cultura, de seu povo. A exemplo, não há como um Magistrado julgar 100% neutro, somente na técnica do Direito, sem que sua carga sensorial-humana não apoie a deliberação, tal qual é impossível a um Professor aplicar no quadro-negro uma educação tecnocrata fria e boçal sem que a conta da gasolina abastecida em seu carro usado para ir ao trabalho, não pese na interface de uma pergunta/resposta do/ao aluno da cadeira 7, na fileira 3. Ou seja: em tudo que se discute durante a dialogia dos currículos escolares, lá estará implícita a semântica da vida, do dia-a-dia, das coisas, da política da polis devidamente institucionalizada pelas civilizações democráticas modernas. É dinâmico porque é a vida!

Por favor, para! Economiza sua revolta às coisas tão menores e impraticáveis do ponto de vista lógico, para gastar militância com a concertação da desgraça que se abateu sobre nosso País tangível ao escarnio sim, deles, os políticos, de lado “A”, “B”, e “C”, que não somente carregam nosso dinheiro em suas cuias pomposas, todavia, debocham diariamente de nós, fazendo da tribuna do sacro Congresso Nacional um picadeiro de “stand up” sem graça (des-graça!).

Ou tu achas que as malas de dinheiro do Geddel Vieira, do Rocha Loures etc., não é somente o ranço da “Escola COM Partido” de Pedro Álvares, do Marquês de Pombal e do Anhanguera, o Bartolomeu? Escolas essas que perduram até hoje em cada currículo e lição pedagógica nas instituições de ensino e nas Casas Grandes (STF, Planalto, Parlamento e esses “trem” aí).

Por fim, para que fique bastante esclarecido que sua frase é contraditória, tal qual letra morta é uma lei que propõe “Escola Sem Debate”, “Escola Sem Teses”, “Escola Sem Transversalidades” – a menos que a lei (saiba mais) não só seja o diálogo fútil de parlamentares desocupados e inúteis, todavia, puna de morte àqueles professores pegos com a boca na botija –, vamos refletir a respeito. A sua própria frase (acima), primo, é a clara evidência de que tu tens uma doutrina, uma ideologia que está sendo, por óbvio, transferida a suas filhas, e, óbvio, elas levarão ao debate livre na interface das aulas de seus professores.

Você, ao dizer tudo isso, deixa elucidadas sua ideologia e sua doutrina. Como então admitir que, se tu tens nas tuas veias – legitimamente – uma visão de mundo, podes desejar que a escola não debata o acervo das múltiplas forças e epistemes da – processual – evolução humana? Trata-se, portanto e apenas de psicologia inversa, para não dizer que é preconceito hegemônico recalcado.

Acho que é hora de nos mudarmos para a Antártida. Lá a civilização está melhor que a nossa..

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