Mulheres são 40% dos pesquisadores do Brasil que declaram ter doutorado nas 5 maiores áreas de conhecimento, aponta levantamento

Dos 77,8 mil pesquisadores rastreados na Plataforma Lattes, 31.394 são mulheres. Linguística, letras e artes é a área em que elas mais se destacam, e também a que menos tem especialistas.

Por Elida Oliveira, do G1 

Mulheres na ciência: 40% dos pesquisadores do Brasil que declararam ter doutorado são mulheres; maioria se concentra na área de saúde. — Foto: Science in HD/Unsplash

O Brasil tem ao menos 77,8 mil pesquisadores nas cinco maiores áreas de conhecimento que declararam ter doutorado na Plataforma Lattes, de acordo com um levantamento feito pelo Open Box da Ciência. Entre eles, 46.501 ou 59,69% são homens e 31.394 ou 40,3% são mulheres.

A plataforma Lattes é uma base de dados alimentada pelos próprios pesquisadores com informações sobre seus currículos e grupos de pesquisa dos quais participam. De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o currículo Lattes se tornou um padrão nacional sobre a carreira dos cientistas. O Open Box da Ciência foi lançado nesta quarta-feira (12) em São Paulo.

A pesquisa abrange as áreas de linguística, letras e artes; engenharias; ciências sociais aplicadas; ciências exatas e da terra; e ciências da saúde.

Entre elas, a área com maior número de especialistas é a Saúde, com 28.612 ou 36,73% do total. Nesta área as mulheres se destacam e são maioria. Elas somam 16.058 e representam 56% dos especialistas que declaram no Lattes ter doutorado.

Confira abaixo os dados e, ao longo da matéria, análises sobre a situação e políticas que estão sendo feitas para reverter o quadro:

Infográfico Doutorados Científicos no Brasil, por gênero e área — Foto: Rodrigo Sanchez/G1

Desigualdade no topo da carreira
Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirma que a desigualdade entre homens e mulheres fica acirrada no topo da carreira dos pesquisadores.

“Na fase inicial da carreira, quando os pesquisadores conseguem bolsas de iniciação, mestrado e doutorado, as mulheres estão em pé de igualdade com os homens”, afirma Sobral, citando dados do CNPq. “Mas no ápice da carreira, a desigualdade ainda existe, sobretudo em algumas áreas como engenharias e ciências exatas”.

Os dados do Open Box da Ciência comprovam este cenário. Em ciências exatas e da terra, elas são 31% do total de pesquisadores com doutorado. Nas engenharias, a representatividade é ainda menor: 26% do total são mulheres.

Desigualdade na carreira científica começa já na escolha da profissão; mulheres são minoria entre os doutores na área de engenharias. — Foto: Ares Soares/Unifor

“A questão do gênero começa enviesada já na escolha da profissão”, afirma Natália Leão, socióloga e analista de dados do Open Box da Ciência, responsável pelo levantamento. “As mulheres tendem a escolher mais as profissões com mais maleabilidade de tempo, porque precisarão cuidar dos filhos”, afirma.

O destaque das mulheres na área de saúde é atribuído por Sobral e Leão à cultura do cuidado, culturalmente presente na criação feminina. Mas, mesmo dentro da área de saúde, ainda há desigualdades.

“Na área de saúde, as mulheres são maioria. Mas dentro desta área, os médicos cirurgiões são mais masculinos – porque não é visto como algo de cuidar. As mulheres estão na pediatria, enfermagem, e outras áreas”, afirma Leão.

Incentivo à ciência na educação básica
Sobral defende que a ciência seja incentivada entre meninas desde a educação básica. Para ela, é importante incentivar brincadeiras de ciência entre as meninas, e estimular a aproximação a outras áreas, como matemática e engenharia.

O CNPq, por exemplo, tem desde 2018 uma iniciativa que apoia projetos que estimulem o desenvolvimento científico e tecnológico nas escolas, chamado Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação.

Outra iniciativa é a extensão de até um ano da bolsa de estudos do CNPq para pesquisadoras que tiveram filhos ou adotaram crianças.

A Unicamp, por exemplo, desenvolve o projeto “Meninas SuperCientistas” para meninas do 6º e do 9º ano do ensino fundamental que visa incentivar estudantes, por meio de palestras, oficinas e visitas a museus, a se interessarem por carreiras na área da ciência.

Como foram coletados os dados
Em entrevista ao G1, Natália Leão afirmou que usou um software de programação para recolher dados da Plataforma Lattes e montar um banco de dados.

Depois, ela cruzou uma lista de nomes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que indica a prevalência de nomes masculinos e femininos, para determinar o gênero dos pesquisadores.

Leão está no último ano do doutorado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Sua tese é “Segregação ocupacional por gênero e raça no mercado de trabalho”. Apesar da qualificação, ela diz que durante a pesquisa foi interrompida por por homens que tentavam explicar a ela o que já estava fazendo, um dos muitos preconceitos que mulheres enfrentam ao longo da carreira – em qualquer área.

 

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