No Brasil, apenas 3 surfistas profissionais são negras. Como combater o racismo na elite do esporte? Elas respondem

De acordo com dados da Abrasp, o Brasil tem 30 mulheres surfistas profissionais, apenas três se autodeclaram negras

Por Amanda Pinheiro, do Celina 

O universo do surfe é um reflexo da nossa sociedade racista e não existe equidade quando se trata de surfistas negras e nordestina Foto: Sam Manhães

Ao olhar para o mar, é notório que o surfe feminino no Brasil, ainda que tímido, ganhou força nos últimos anos. Porém, quando se trata de surfistas negras, a “Brazilian Storm” ainda não chegou. De acordo com a Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp), atualmente o país possui 219 atletas profissionais no masculino, enquanto na categoria feminina são apenas 30 e, entre elas, apenas três mulheres se autodeclaram negras.

Com o objetivo de discutir sobre racismo e machismo e proporcionar a troca de experiências entre essas mulheres, no dia 23 de novembro foi organizado o 1º Encontro Nacional de Surfistas Negras e Nordestinas, na praia da Barra da Tijuca.

A surfista Yanca Costa é cearense radicada no Rio de Janeiro e pratica o esporte desde os 5 anos. Hoje, aos 20, além de ser a atual campeã estadual, ela também ocupa o segundo lugar no ranking brasileiro. Yanca, que esteve presente no encontro, acredita que a falta de representatividade ainda é grande, mas o cenário pode mudar.

— Quando comecei, eu não tinha muitas referências de surfistas mulheres e negras, mas com o tempo ouvi falar sobre a Monik Santos, Tininha (Diana Cristina) e fiquei maravilhada. O bom é perceber que as coisas estão mudando e acho que, hoje, as pessoas têm a consciência de que mulher pode ser o que ela quiser, e no surfe não é diferente. Aos poucos, vamos conquistando o nosso espaço com esforço e dedicação — conta ela, que também luta para conseguir um patrocínio e chegar na elite do surfe mundial.

— Não poder competir internacionalmente me deixa muito triste, eu me preparo todo ano na esperança de sair pelo mundo e mostrar o meu trabalho. E está cada vez mais difícil, principalmente para conseguir patrocínio e visibilidade. Mas um dia eu consigo esse feito — desabafa.

A popularização do surfe aconteceu, de fato, na Califórnia a partir de 1900. Com isso, acredita-se que um padrão foi criado, e os surfistas negros foram esquecidos no decorrer do tempo. Além disso, enquanto durou a segregação racial nos EUA, os negros eram proibidos de surfar em praias limpas e com ondas boas. No Brasil, 55,8% da população se autodeclara negra e cerca de 26% são mulheres, segundo o IBGE. Para a idealizadora do Encontro, a jornalista e ex-surfista profissional, Érica Prado, a questão é: se os números são altos, onde estão esses atletas na elite do surfe, sobretudo as mulheres negras?

— Não tem nenhuma negra na elite mundial. O universo do surfe é um reflexo da nossa sociedade racista e não existe equidade quando se trata de surfistas negras e nordestinas. Criou-se um modelo californiano de surfista ideal e mulheres fora desse padrão imposto pelo sistema são invisibilizadas. É uma realidade que precisamos mudar. Acredito que o nosso encontrou serviu para isso: a troca de experiências foi singular. E é importante você se enxergar em determinados espaços e ter a comprovação de que aquele lugar também te pertence — comenta.

Mulheres na Tpm: Todas Para o Mar

De acordo com a Associação Brasileira de Surf Profissional (Abrasp), atualmente o país possui 219 atletas profissionais no masculino, enquanto na categoria feminina são apenas 30 e, entre elas, apenas três mulheres se autodeclaram negras Foto: BrunaVeloso / Bruna Veloso

Entre os mais de 7 mil quilômetros de praias do Nordeste ao Sul do Brasil, está o projeto “Todas para o mar”, na praia de Macaraípe, em Pernambuco. Criado há quatro anos por Nuala Costa, a primeira mulher e primeira mulher negra a representar profissionalmente o estado, o projeto atende mulheres e crianças em vulnerabilidade social da Comunidade da baía de Maracaipe.

— Trabalhamos com o Maraca surf festival, que dá visibilidade a todas as surfistas locais, com várias categorias; o Surf Day, que é um dia especial para mulheres com aulas de surfe, ioga, surfe funcional e roda de conversa; feirinhas de artesanato, com as mulheres artesãs da comunidade e inclua Surf Tpm, inclusão social com as crianças — conta Nuala, que desabafa sobre o machismo e racismo sofridos ao longos dos 22 anos de carreira.

— São duas batalhas a serem travadas: por ser mulher, os homens se colocam numa posição superior, e por ser negra, onde as coisas são bem mais difíceis e você tem que provar que é boa. Mas acredito que esse encontro serviu para nos fortalecer e espero que falando sobre a minha história no surfe, eu tenha incentivado outras mulheres — completa.

 

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