Nota em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das meninas e mulheres e em repúdio à Portaria Nº 2282 do Ministério da Saúde

Enviado por / FonteABRASCO

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, Associação Brasileira Rede Unida e Sociedade Brasileira de Bioética repudiam veementemente a Portaria Nº 2.282 de 27 de agosto de 2020 do Ministério da Saúde que cria barreiras adicionais para o acesso ao procedimento do aborto previsto em lei pelas mulheres e meninas vítimas de violência sexual, atingindo sobretudo as usuárias da rede pública de saúde, majoritariamente pobres e negras.  O governo obriga médicos e profissionais de saúde a notificarem a autoridade policial casos de pacientes vítimas de crime de estupro. Ao utilizar a expressão “crime de estupro”, a Portaria reduz a violência sexual ao seu aspecto jurídico, deixando em segundo plano a saúde das vítimas.

A responsabilização criminal dos autores de estupro é uma reivindicação antiga e legítima da sociedade brasileira. No entanto, obrigar os profissionais de saúde/serviços de saúde a obter informações de cunho investigatório e notificar o fato à polícia afeta o acesso das mulheres ao direito fundamental à saúde.  A função deles é acolher e prestar o atendimento necessário às vítimas, o que não pode estar atrelada a exigências de regulação da autoridade policial. Além disto, é contra a ética profissional obrigar os profissionais de saúde a relatarem à polícia dados relativos às mulheres sob sua responsabilidade de cuidado.

As exigências adicionadas pela portaria para o “Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez”, como a listagem de eventuais riscos relacionados ao aborto e a oferta de “visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia”, são procedimentos  que intimidam, constrangem e beiram a tortura de meninas e mulheres que já foram vítimas de um crime e precisam passar por um procedimento que pode ser difícil e doloroso.

A portaria descumpre as normativas do SUS e o direito internacional em relação aos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. O documento proposto na Portaria no qual meninas e mulheres detalham o seu relato e o pedido de testemunhas demonstra a desconfiança e deslegitimação da palavra das vítimas. Não há justificativa para o atendimento em saúde solicitar essas informações, visto que elas não alteram a conduta.

Lembramos que todas as meninas e mulheres vítimas de violência sexual têm direito a serem atendidas pelos serviços de saúde, independentemente da gestação, e aquelas que têm acesso precoce aos serviços podem usar a contracepção de emergência e fazer profilaxia de IST/AIDS.

Reiteramos a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das meninas e mulheres e o acesso aos permissivos legais da interrupção da gravidez normatizados na politica de atenção à saúde e na legislação internacional, de forma segura e acolhedora. Só assim o SUS pode permanecer como instância de proteção, cuidado e efetivação dos direitos das mulheres e de todos os cidadãos brasileiros.

Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes
Associação Brasileira Rede Unida – Rede Unida
Sociedade Brasileira de Bioética – SBB

+ sobre o tema

Violência contra a mulher não é só dar porrada

Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica, preconceito no...

‘A produção de autoria negra é muito maior do que o mercado editorial apresenta’

Quilombola capixaba, Mirtes dos Santos criou primeiro clube de...

Projeto ‘Afro Mulher’ reforça a luta das mulheres negras no Estado do Amapá

Palestras e oficinas marcam a programação do Pro jeto...

Seafro monitora estatísticas de mulheres negras vítimas de violência

=O Núcleo de Saúde, Gênero e Religiões de Matiz...

para lembrar

Conceição Evaristo: a literatura como testemunho

A leitura de Olhos D’água reforça a questão dos...

Luiza Bairros destaca avanços institucionais para democratização da participação negra na sociedade

Por: Lourenço CanutoRepórter da Agência Brasil   Brasília...

A afetividade das mulheres negras

Você já parou para pensar sobre a vida afetiva...

Precisamos falar sobre como você silencia as mulheres ao seu redor

Quando começamos a falar de cultura do estupro, uma...
spot_imgspot_img

Pesquisa revela como racismo e transfobia afetam população trans negra

Uma pesquisa inovadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), intitulada "Travestilidades Negras", lança, nesta sexta-feira, 7/2, luz sobre as...

Aos 90 anos, Lélia Gonzalez se mantém viva enquanto militante e intelectual

Ainda me lembro do dia em que vi Lélia Gonzalez pela primeira vez. Foi em 1988, na sede do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN), órgão...

Legado de Lélia Gonzalez é tema de debates e mostra no CCBB-RJ

A atriz Zezé Motta nunca mais se esqueceu da primeira frase da filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez, na aula inaugural de um curso sobre...
-+=