Identitarismo virou um palavrão. “O identitarismo é um erro. É uma pauta criada por ativistas dos EUA (Cantalice, diretor da Fundação Perseu Abramo, 2022).” “O presidente Lula presta mais um serviço ao país ao rejeitar pressões corporativas e identitárias em nome do mais elevado interesse nacional (Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, 26/9).”
Se deixarmos de lado o uso do termo como xingamento —em geral, para deslegitimar o interlocutor—, o debate pode se tornar mais qualificado. Embora haja muitos conceitos, pode-se dizer que, no mínimo, identidade significaria o agrupamento (e, portanto, diferenciação) a partir de injustiças pessoalmente sentidas (por exemplo, o que uniria duas pessoas negras distintas seria a percepção de que sofreriam de injustiças comparáveis). O trumpismo, calcado no ressentimento de extrema direita, seria um tipo de identitarismo, por exemplo.
Identidade, assim conceituada, é limitante, e a ela não subscrevo. Confundir combate à desigualdade com identitarismo é um erro político e conceitual. É diversionismo enquanto o STF fala em justiça reprodutiva, mas o Congresso ameaça destruir o casamento homoafetivo. Podem queimar o identitarismo (serei o primeiro a acender o fósforo); só não nos queime junto com ele no macabro pacto narcísico que combinou, à revelia, que nosso lugar é de agradecer, não de reivindicar. Eis argumentos anti-identitários por uma ministra negra no STF.
Primeiro, estrutura não é identidade: é fato objetivo de que há disparidade de acesso a instâncias judiciais de poder. Segundo, raça e gênero não minam utopias universalizantes, mas as qualificam: se todos são universais, por que juízes sempre parecem monotonamente iguais? Terceiro, a pauta equalitária é constitutiva da esquerda, não importada; basta olhar para o umbigo da história do próprio PT. Quarto, classe importa tanto que caberia apoiar uma mulher negra, estatisticamente mais próxima dos mais pobres, do que advogados das Americanas.