O Brasil negro e as tendências para 2013 por Athayde Motta

» ATHAYDE MOTTA

Diretor do Fundo Baobá para Equidade Racial, mestre em antropologia pela Universidade do Texas, em Austin (EUA)

Nos anais da história, 2012 poderá ser lembrado como o ano em que decisões e mudanças inéditas deram importantes contribuições para a promoção da igualdade racial no Brasil. Refletir e escrever sobre tais eventos ao fim de cada ano deveria ser nosso passatempo preferido, pois é também uma maneira de registrar a história a partir de olhares diferentes e múltiplos.

Como é bem sabido, mas pouco reconhecido, a população negra tem sido a principal responsável por sua liberdade, inclusão e conquista da igualdade. Quem lhes nega esse papel viola a história da própria nação. A maioria das organizações da sociedade civil (OSCs) negras trabalha em condições precárias e sob pressão constante dos “democratas raciais”. Isso torna ainda mais importante a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade do sistema de cotas.

No entanto, a imprensa priorizou uma abordagem sensacionalista, que deu espaço para declarações tresloucadas em que o próprio STF foi acusado de rasgar a Constituição, uma clara opção pela mediocridade do status quo. Após essa decisão histórica, poderia ter-se falado das primeiras turmas de cotistas que já se formaram e que mostraram ser capazes de continuar na universidade, com médias superiores às dos estudantes meritocratas. Essa falsa disputa corre o risco de ser levada para o mercado de trabalho, em vez de forjar laços de solidariedade entre estudantes de classes e raças diferentes, que poderiam construir juntos uma sociedade mais igual.

O Plano de Prevenção à Violência contra a Juventude Negra foi lançado em 2012 e já tem projetos de expansão para este ano. A proposta é mobilizar a sociedade civil para que se cobrem medidas efetivas para reduzir o número de mortes entre jovens negros. Segundo o Ministério da Saúde, em 2010, das 49,9 mil vítimas de homicídios, 76,6% eram jovens pretos e pardos e 91,3% eram homens. Se a violência urbana é um problema de toda a sociedade, ela mata preferencialmente alguns e não outros. Quando São Paulo decide proibir que civis feridos em conflitos armados com a polícia sejam transportados pela própria polícia, tenta-se garantir o direito à vida, que deveria ser universal.

Embora não haja estatísticas, nunca a população negra esteve tão presente em publicações tão variadas, trazendo um pouco mais da diversidade real da sociedade. Em alguns casos, o que se vê é uma imagem estereotipada, de gosto duvidoso e impacto negativo sobre a autoestima de homens, mulheres e crianças negras. Em outros, a prioridade é o estímulo ao consumo, quase sempre acompanhado pela negação ou falta de valores morais e de cidadania. Em casos raros, no entanto, ocorre o fortalecimento positivo da imagem do negro. Um dos exemplos é o lutador Anderson Silva, cuja personalidade versátil valoriza o papel de um companheiro.

Essa mudança nas imagens produzidas no país estão ligadas à existência de uma parcela significativa da população negra que ascendeu à classe C, também denominada nova classe média. Segundo dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), aproximadamente 80% dos integrantes desse grupo emergente são negros, uma ascensão social limitada, que pode até não se consolidar, mas ainda assim um fato tão raro na história do país que confunde estudiosos, analistas e palpiteiros de todos os matizes políticos.

Embora positiva, também está claro que essa ascensão social precisa ser garantida por meio de políticas públicas voltadas para a criação de empregos que proporcionem maior renda e consolidem a posição desse grupo. Sem isso, o governo estará, mais uma vez, utilizando a população negra como marionete em uma fantasia que já foi chamada, no passado, de democracia racial.

Finalmente, não há dúvidas de que o homem do ano é Joaquim Barbosa, negro brilhante, de origem humilde, que venceu todas as dificuldades para se tornar o líder da Corte Suprema do país. Em nenhum momento, Barbosa permite que sua imagem seja explorada como alguém tão excepcional que reduz o racismo a uma eventualidade sem maior importância. Pelo contrário, ele inspira jovens negros tanto por sua inteligência excepcional como por sua dedicação, esforço e porque fez bom uso das oportunidades que teve. Nem todos poderão ser Joaquim Barbosa, mas todos merecem oportunidades e o apoio necessário para que sejam bem-sucedidos.

Ainda que homens e mulheres negros possam não ser reconhecidos como heróis e heroínas que são, fica o otimismo de um 2013 com ações mais intensificadas, com avanços mais significativos e conquistas realmente transformadoras para grandes parcelas da população negra.

 

 

Fonte: Correio Nagô

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