O feminismo, vivíssimo, rumo, ao desnecessário

“Mamãe, também quero ajudar a acabar com essa porcaria do paradigma racista, homofóbico e patriarcal”

“Até recentemente, a única vez que o feminismo era mencionado pela mídia era pra nos lembrar que ele ainda estava morto. Mas tem havido uma grande ressurreição. Ninguém pode negar que o feminismo está de volta”, diz Kat Banyard, 30 anos, fundadora do UK Feminista, que organiza cursos de verão para treinar feministas se iniciando na arte do protesto. O principal é conhecer seus direitos legais de protestar na rua. Mas o curso também ensina como tornar o corpo difícil de ser removido pela polícia. Já há 500 inscritas. Levanta a mão quem gostaria de um curso assim no Brasil?

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Interessante também a explicação que Banyard dá para o crescimento do feminismo na Grã-Bretanha nos últimos anos: é por causa da crise econômica, que afeta mulheres mais do que homens. Por exemplo, a austeridade fiscal faz com que o governo corte serviços públicos, onde boa parte dos servidores (e também das beneficiárias, que dependem de creches para deixar seus filhos enquanto trabalham) é mulher.

Um dos exemplos que Banyard oferece para mostrar a força do feminismo atualmente na Grã-Bretanha é que livros feministas andam vendendo muito bem por lá. Um deles já chegou traduzido ao Brasil: Como Ser Mulher, de Catlin Moran. Eu recebi como cortesia da Companhia das Letras. Foi uma leitura rápida e gostosa, e pretendo escrever um pouquinho sobre o livro assim que der tempo (o que não tá fácil encontrar). Sei que devo muitas resenhas a vocês dos livros que leio e filmes que assisto…

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Fiquei muito feliz em saber que o feminismo está vivíssimo na Grã-Bretanha. Acho que aqui também. Toda semana alguém começa uma nova página feminista no Facebook, um novo tumblr. Marchas sem hierarquias, com organização horizontal, saem às ruas com jovens que descobriram seu feminismo faz pouco tempo. Eventos pra discutir gênero são realizados por movimentos estudantis nas universidades e até no ensino médio. Ainda faz muita falta a presença feminista na mídia tradicional, que detesta mudanças. Mas conseguimos ter voz neste momento em que a mídia perde sua dominância.

Esses dias uma leitora me enviou o texto que foi usado no vestibular de espanhol da UERJ. Era um artigo muito bom de Catalina Ruiz-Navarro, “Hacia un feminismo innecesario”. Primeiro ela tenta explicar por que o feminismo tem tantos detratores (por estar associado a estereótipos negativos. Por isso que eu não me canso de repetir: não aceito definições de feminismo vindo de gente que odeia o feminismo. Eu me assumo feminista, e não sou nem nunca fui mal amada, amargurada, peluda, ogra, odiadora de homens -– enfim, todos esses clichês que o patriarcado encarrega de grudar em ativistas que visam, bem, derrubar o patriarcado.

Diz Ruiz-Navarro (minha tradução capenga): “Talvez você me diga que a sua vida, o ambiente em que se locomove, não tem te discriminado no que se refere ao seu gênero, e que antes de se reconhecer como mulher, você se reconhece como indivíduo ou como pessoa, e que diante disso o feminismo não é necessário. Maravilha! Um movimento prova que é bem sucedido quando se mostra desnecessário, quando suas lutas não precisam mais ser lutadas”. Claro que ela diz que ainda estamos longe desse estágio, e que, na Colombia, o feminismo talvez só não seja mais necessário para elites minúsculas.

Mas gostei muito disso que ela falou. Torço para que a gente alcance a igualdade e o feminismo realmente se torne algo desnecessário! Meu sonho agora é me tornar obsoleta. Já pensou que luxo não precisar escrever mais sobre injustiças, crimes de ódio, feminicídios, desigualdade salarial, misoginia, machismo na mídia, direitos reprodutivos, representação política, aceitação do corpo, jornada tripla de trabalho, espaços públicos, etc? Se esse dia chegar, juro que me contentarei em escrever apenas sobre cinema e diálogos com o maridão. Incluirei umas fotos do Calvin pra mudar de assunto de vez em quando.

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Será que até eu morrer, com sorte lá por 2050, o feminismo terá deixado de ser necessário? Quem dera! Acho difícil, porque são milênios de patriarcado, esse sistema desigual que só começou a ser questionado nos últimos cinquenta anos. E tanta coisa já mudou nesse curtíssimo período! Vamos seguir lutando até que não precisemos mais lutar. Ou estarei sonhando com uma utopia inalcançável?

 

 

Fonte: Escreva Lola Escreva 

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