O Nobel de Obama

Fonte: Aeiou.Expresso-

Por: Inês Pedrosa

A paz começa na capacidade para desmontar a estupidez dos ódios.

Muitos fãs de Barack Obama dizem agora que o Nobel da Paz que lhe foi atribuído é precoce, porque o homem ainda não teve tempo para fazer nada. A distensão das relações internacionais, a disponibilidade para dialogar sem condições prévias com o Irão e o ponto final no clima de cruzada contra os muçulmanos, a determinação em pôr a zeros o contador da relação com a Rússia, a preocupação com uma política de defesa do ambiente, face às alterações climatéricas (na senda de Al Gore, que aliás já ganhou o Nobel da Paz por isso), a decisão de encerrar Guantánamo (o que não pode fazer-se à pressa) e de proibir todas as formas de tortura – tudo isto é nada? Sou relativamente insuspeita nesta apreciação, porque sempre fui mais pró-Hillary Clinton do que obamista. Acreditava na força simbólica de ter uma mulher à frente do país mais poderoso do mundo – e não uma mulher qualquer, mas uma política com muito caminho feito na defesa de políticas sociais importantes. Parecia-me que Hillary tinha uma experiência política que faltava a Obama.

Mas o novo Presidente dos Estados Unidos provou que o bom senso e a inteligência podem substituir vantajosamente a experiência – até porque a experiência pode criar comodismos e insensibilidades. Provou-o, de imediato, na escolha da sua equipa, tendo a grandeza de unir os seus adversários, de os saber ouvir, e de captar para o bem público o melhor das capacidades de cada um. O talento que o conduziu à Presidência dos Estados Unidos representa um excepcional dom para a construção da paz: Obama conseguiu diminuir exponencialmente, e em muito pouco tempo, as tensões raciais que existem nos EUA – como, aliás, na maioria dos Estados do mundo. As grandes guerras contemporâneas, como as de há mil anos, radicam em ódios raciais – ou religiosos, mas as religiões fundam-se, elas mesmas, em histórias de povos e raças ‘eleitas’.

A eleição de Obama constituiu, por si só, uma melhoria no clima político internacional – um passo para a resolução do problema do aquecimento global entre as nações. A acusação de ‘precocidade’ em relação a este Nobel pressupõe uma esperança que nenhum homem, por si só – e menos que todos o Presidente dos Estados Unidos – pode cumprir. É quase impossível imaginar que o tresloucado ditador do Irão admita conversar civilizada e construtivamente com os Estados Unidos da América, por mais que Obama aguce as suas asas de anjo. A boa vontade de Obama revela já aquilo que a brutalidade de Bush ajudava a esconder – a absoluta indisponibilidade para o diálogo do fundamentalismo islâmico.

Oxalá este Nobel tenha sido precoce, sim – isso significa que Obama viverá muitos e bons anos, e conseguirá fazer vencer os seus genuínos propósitos de paz mundial. Mas só com muita arrogância pode qualquer ser humano utilizar a palavra ‘precoce’, já que nenhum de nós sabe se estará vivo amanhã. Entendo o sinal de incentivo e apoio que a Academia Nobel quis dar aos esforços diplomáticos de Obama, à sua voz e ao seu tom, absolutamente novos no cenário da diplomacia internacional. O Nobel da Paz destina-se, segundo as palavras do seu criador, “à pessoa que fez a maior ou a melhor acção pela fraternidade entre as nações”. Nenhum prémio é inteiramente justo, porque sempre há milhares de pessoas a batalharem pela paz – como pela ciência, pelas artes ou pela economia.

O Nobel tem os seus altos e baixos – mas não me lembro que a atribuição do Nobel da Paz à activista queniana Wangari Muta Maathai, em 2004, tivesse provocado estas reticências – ou até, em alguns casos, o repúdio que parece causar o Nobel de Obama. E no entanto, esta nobelizada declarou que o vírus da sida é uma criação do homem branco e foi lançado em África como arma de destruição maciça, com o objectivo de “punir os negros”. Se este é o discurso de uma heroína da paz, estamos conversados: a mim parece-me um delírio persecutório grave, e com consequências dramáticas, de uma alma não só ignorante como altamente ressentida. Mas como Muta Maathai era mulher, negra e não estava à frente de nenhum grande país, este discurso perigoso passou como doçura regional.

Há também quem pretenda cobrir de suspeitas o próprio processo de atribuição do Prémio, definindo como “intrigante” o facto de Obama ter tomado posse a 20 de Janeiro e o prazo para as candidaturas ao Nobel ter terminado a 1 de Fevereiro. Não percebo onde está a ‘intriga’. Sou pouco dada a teorias conspiratórias, admito; tenho verificado que, em geral, as coisas do mundo são mais simples do que os espíritos conspirativos as querem fazer. A própria vitória de Obama é exemplo disso.

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