Perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo!

“Apesar de tudo, Jesus dizia: ‘Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo!'” é provavelmente uma das citações mais célebres da Bíblia, presente em Lucas 23:34, quando Jesus é crucificado pelos romanos após a condenação nas mãos de Pilatos. Ironicamente, também é um trecho bíblico que muito provavelmente sequer passou pela cabeça daqueles que propõem e defendem a redução da maioridade penal, apesar de a proposta de emenda constitucional 171/1993, que versa sobre o assunto, fazer uso explícito de argumentos retirados do Antigo Testamento. Em vez de pensar em como reinserir, reeducar e dar uma chance de recomeço aos jovens, a PEC 171 configura o abandono definitivo de qualquer pretensão restaurativa. Os presídios brasileiros são verdadeiros infernos na Terra, mais de 70% daqueles que cumprem penas neles volta a delinquir quando adquire a liberdade, justamente por terem sido expostos a tudo que há de mais degradante e desumano.

Por , do Brasil Post 

Vários textos já foram feitos sobre o assunto, em especial apontando os problemas e vícios da PEC [1], então decidi focar minha pequena análise em questões de fundo, relativas à como nós não estamos pensando sobre o assunto. Quero dizer com isso que muitas pessoas não estão refletindo de maneira adequada sobre a redução da maioridade.

Muitos olham os escandalosos casos de delinquência juvenil na mídia e se indignam, querem uma resposta do Estado. Nisso, as pessoas não estão erradas, elas tem o direito de se indignar com a violência que vem de mãos juvenis, no entanto, essa indignação está errando o alvo. Em vez de olharem para um quadro mais amplo para perceber como a delinquência juvenil é fruto de um contexto social desigual (esse sim merecedor de toda nossa revolta), muitos têm tomado o jovem infrator – que é sim responsabilizado pelo direito criminal brasileiro – como um bode expiatório, um inimigo que merece a devida punição. Aliás, do total de crimes praticados no Brasil, apenas 0.9% é praticado por menores entre 16 e 18 anos [2] (esse número, por si, já é mais que suficiente para se colocar em xeque a necessidade da redução).

Meu ponto sobre a falta de reflexão. A maioria daqueles que defendem a redução (e alguns que são contra também) não estão considerando todas as variáveis políticas e institucionais, o que está em jogo, quem ganha e quem perde com a redução. Recentemente li o seguinte caso: sumiram 100 reais da caixinha do pet shop em um condomínio. Muitos moradores acusaram o filho de uma das empregadas do local, um garoto de 13 anos. Queriam chamar a polícia, levar o menino para a delegacia, ele “tinha perfil”. No final das contas, as câmeras de segurança revelaram que o furto foi protagonizado por filhos de condôminos, e imediatamente a reação dos moradores morou. Foi brincadeira de criança, não havia motivo para convocar a polícia. Fica a pergunta para os defensores da redução: se hipoteticamente a maioridade fosse aos 13 (ou os garotos tivessem 16), quem teria mais chances de ir em cana?

Volto a falar da reflexão que o assunto merece. Leis não são criadas para resolver casos pontuais. Elas são criadas para ter aplicação geral. A mesma lei que “pegaria vagabundos” enquadraria um jovem de 16 anos que oferece uma latinha de cerveja para a namorada de 15, com a possibilidade de mandá-lo para a cadeia (que, como falei no primeiro parágrafo, é um inferno terrestre). E aí, a reflexão do caso do parágrafo anterior retorna: o filho de quem irá pagar esse preço?

Refletir ou pensar, aqui, significa considerar as consequências gerais dos atos para além de nossos próprios umbigos, Significa levar em conta mais perspectivas – em especial daqueles não tem espaço para manifestar suas opiniões. Não é isso que vem sendo feito nas discussões sobre maioridade penal. As pessoas têm se apegado a suas emoções de maneira cega e irrefletida, rechaçando qualquer opinião diversa e isso tem causado uma falta de pensamento sério sobre a questão da maioridade, e sobre questões políticas em geral. Usando um pouco de licença poética, é como se o sopro de pensamento ao qual Hannah Arendt se refere – capaz de “dizer o que é certo ou errado, belo ou feio” [3] fosse incapaz de circular na cena pública que vivemos. A tragédia que disso decorre é o fato de os menores infratores não serem os únicos que precisam de perdão por não saber o que fazem.

[1] No próprio BrasilPost: http://www.brasilpost.com.br/2015/04/01/maioridade-penal-biblia_n_6985618.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004
Também citado no artigo acima, vale a pena ler: http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/

[2] Informação disponível em: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/segundo-ministerio-da-justica-menores-cometem-menos-de-1-dos-crimes-no-pais/

[3] Hannah Arendt, “Thinking and Moral Considerations: A Lecture,” in Social Research, Vol. 51, No. 1/2, pp. 37

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