O setor de Tecnologia e Inovação se torna mais relevante a cada dia, no entanto, a diversidade segue sendo um problema na área. A Sputnik Brasil conversou com Silvana Bahia, que coordenou o Pretalab, uma pesquisa que mapeou e discutiu a presença de mulheres negras e indígenas no mercado de tecnologia brasileiro.
Do Sputnik News
O projeto PretaLab nasceu em 2016 com dois objetivos, segundo conta Silvana Bahia. Em 1º lugar, queria mostrar às pessoas onde estão as mulheres negras e indígenas dentro do mercado de tecnologia e inovação. E em 2º lugar, criar uma campanha que incentivasse a presença de mais mulheres desses grupos sociais na área.
“A gente lança a PretaLab querendo mapear, encontrar mais mulheres, e duvidando que não tinham mulheres negras, ou que não tem mulheres negras trabalhando, lidando com tecnlogia. A intenção era mostrar que existiam essas mulheres e dizer que elas são poucas, que nós somos poucas”, conta Silvana Bahia.
A pesquisa apresentada em um documento com informações multimídia traz alguns dados relevantes. Ouvindo 570 mulheres de todas as regiões do Brasil, a pesquisa aponta as dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras para conseguir acessar tanto o ensino formal, como os cargos no setor de tecnologia e inovação. De todas as entrevistadas, por exemplo, apenas 22% acessaram o ensino formal antes de entrarem na área.
A desigualdade enfrentada pela mulher negra é fartamente documentada por institutos de pesquisa brasileiros, que demonstram que há desigualdade no acesso a áreas do mercado que exigem qualificação, como o mercado de tecnologia.
Segundo o IBGE, por exemplo, mulheres brancas tem 2,3 vezes mais diplomas de ensino superior no Brasil do que mulheres negras, sendo que somente 10,4% destas conclui o ensino superior.
Já o IPEA, apresenta o reflexo deste quadro, em que o trabalhos de baixa qualificação formal e prestígio é acessado principalmente por mulheres negras. Através do estudo “Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil”, o instituto revelou que 57,6% das empregadas domésticas no país são negras.
O estudo também revela que as mulheres negras têm menor representação nos empregos com maior seguridade social, como empregos de carteira assinada.
Com isso, são as mullheres negras as que mais sofrem durante as crises econômicas. Desde 2014, a taxa de desemprego entre as mulheres negras saltou de 9,2% para 15,8%. O mesmo indicador entre os homens brancos passou de 4,6% para 8,5%, segundo a economista Marilane Teixeira.
“A gente dificilmente sonha com algo que a gente nem imagina que a gente pode ser”
As mulheres negras somam 27% da população brasileira, o maior grupo do país, se comparado com homens e mulheres negros e brancos. Mesmo sendo maioria, o preconceito, a discriminação, o racismo e o machismo são entraves no acesso dessas mulheres a melhores oportunidades. Segundo afirma Silvana Bahia, ver mulheres negras em atividades de alta complexidade ainda causa estranhamento no país.
Silvana Bahia aponta que essa situação se desdobra em menor acesso ao ensino formal, necessário para alcançar a qualificação exigida pelo mercado de tecnologia.
“A maioria delas teve acesso a esse conteúdo através de grupos de pesquisa, grupos de apoio, coletivos de mulheres que trabalham com tecnologia e não necessariamente pelo ensino informal”, conta Silvana.
O projeto aponta em um de seu objetivos a questão da representatividade, uma pauta que busca criar espaços de representação para minorias políticas. É o caso das mulheres negras, que carecem de referências positivas no mercado de trabalho e em cargos de prestígio.
“Eu sempre falo que a gente dificilmente sonha com algo que a gente nem imagina que a gente pode ser. Então esse campo da referência é algo que a gente também tem uma preocupoação muito grande”, enfatiza a coordenadora.
E é através do olhar voltado para a mulher negra que o grupo analisa as possibilidades de mudança, partindo do pressuposto baseado nos dados oficiais de que há diferenças sociais e de oportunidades em relação às mulheres brancas.
“Pensar gênero no Brasil e não trazer esse olhar da raça, ou da etnia, é complicado porque nós sabemos que nós não partimos dos mesmos lugares das mulheres brancas”, aponta.
E para além da inclusão social e ampliação da garantia de direitos de acesso aos setores sociais, abraçar a diversidade é uma forma de garantir inovação. É uma política adotada por empresas e universidades do mundo inteiro e pela qual advoga o grupo responsável pelo Pretalab.
“A gente traz um olhar diferente do que é o padrão. E isso é inovação também. Quando você consegue reunir olhares diferentes para pensar alguma coisa você provavelmente vai ter algo inovador”, afirma Silvana.
Projeto oferece cursos e fecha parcerias com empresas para aumentar a inclusão
O projeto Olabi, de onde partiu o Pretalab, mantém cursos e atividades com metodologias não lineares, voltados para a inclusão de mulheres negras no mercado de trabalho da tecnologia. O Olabimantém um espaço aberto no Rio de Janeiro.
O local é um makerspace, um tipo de oficina aberta que tem se espalhado por cidades do mundo. Lá, se desenvolvem atividades no ramo da eletrônica, robótica, inteligência artifical, entre outras áreas. O grupo já atendeu mais de 20 mil pessoas e levou suas descobertas a mais de 20 países.
O grupo, também coordenado por Silvana Bahia, trabalha ao lado de empresas do setor, que buscam consultorias sobre diversidade. Com essas iniciativas, além das pesquisas e de atividades com o setor público, o grupo tem conseguido mudar realidades e levar mais mulheres negras para dentro das empresas.
Silvana enfatiza que o mercado de tecnologia é cada vez mais essencial e sinônimo de poder, e que por isso mesmo, sem inclusão nesse universo a tendência é que se acentuem as desigualdades.
“O que a gente tem feito é tentado experimentar, estimular e criar espaços para que as mulheres negras possam de fato se apropriar desses conteúdos e dessas ferramentas para dar vazão às suas ideias”, conclui.