Por que na mesma abordagem policial, homens brancos são liberados e negros revistados?

Saiba o que é racismo institucional, como ocorre e onde denunciar

Por Raquel Saraiva* e Jorge Gauthier, do Correio 24 Horas 

Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

Pense em um médico. Agora imagine uma diretora de uma multinacional. E uma professora universitária conversando com um funcionário da limpeza. Dentre essas quatro pessoas, quais você imaginou negras?

A pequena representatividade de profissionais negros em altos cargos de liderança nas empresas, bem como o baixo acesso de alunos negros ao ensino superior, são exemplos que refletem o chamado racismo institucional.

A Organização das Nações Unidas (ONU) define este tipo de segregação como “o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas por causa de sua cor, cultura, origem racial ou étnica”. Outros dois casos, de grande repercussão, ocorridos em junho, evidenciam essa prática, também em outras circunstâncias.

No dia 11 do mês passado, um segurança do Shopping da Bahia tentou impedir um cliente do local de pagar um almoço para uma criança negra. O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) abriu inquérito para apurar possível racismo institucional. Dois dias depois, o ator Leno Sacramento, do Bando de Teatro Olodum, levou um tiro em uma abordagem de policiais civis após ser confundido com um assaltante. O ator e seu advogado acusam a polícia de racismo institucional.

É também uma forma de racismo institucional quando processos de racismo e injúria racial enfrentam mais tempo de espera na Justiça. Leia mais: Um por ano: apenas sete processos por racismo foram julgados desde 2011.

(Imagem: Raquel Saraiva/CORREIO)

Manifestação
As manifestações do racismo institucional nem sempre parecem claras, como através de agressões verbais e outras situações sofridas individualmente.

“Infelizmente, para convencer o sistema de justiça não é fácil, porque o racismo institucional é algo difuso. Você não aponta uma pessoa, é uma conduta reiterada e que é reproduzida socialmente. O combate requer atuações em várias vertentes”, explica a promotora Lívia Sant’Ana Vaz, coordenadora do Grupo Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gehdis).

“A ideia de raça como conceito ou signo que organiza a sociedade continua no nosso imaginário, e essa ideia é responsável pela monopolização de recursos baseado numa pigmentocracia”, explica Iberê Araújo, membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e da Frente Negra da Ufscar (SP).

De acordo com o coordenador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, o racismo institucional está presente nas instituições brasileiras de formas nítida ou mais sofisticadas. “Está presente nas diversas esferas e atuando nas nossas vidas do ponto de vista de produção de violência mas também da negação de direitos e oportunidades”, diz.

A desvantagem de grupos raciais ou étnicos no acesso a benefícios nas organizações e até nas ações promovidas pelo Estado, e a baixa qualidade dos serviços e dos atendimentos prestados pelas instituições à população negra são  também comprovação do racismo institucional.

“Já trabalhei no SUS e uma das formas que você observa é a tendência à utilização de menos anestesia em mulheres negras nas cesarianas e outros procedimentos cirúrgicos, porque existe o imaginário dentro do corpo médico de que os negros sentem menos dor”, conta Iberê Araújo.

Essa estruturação histórica é reproduzida nas instituições por causa do racismo existente na sociedade. “Ele [racismo] estruturou um sistema que rege a sociedade atual. Estrutura a economia, a família, a cultura, nossos sistemas simbólicos e nossa maneira de pensar, é um óbvio que ele estruture também as instituições”, acrescenta.

A reprodução do racismo naturaliza imaginários para que situações se tornem normais. “Os discursos estabelecidos na sociedade, na educação, na cultura e na TV são a base para que ações tidas como normais aconteçam”, diz Iberê.

Alguns indicadores do racismo institucional são trazidos no Guia de Enfrentamento ao Racismo Institucional do Instituto Geledés:

  • 40,9% das mulheres pretas e pardas acima de 40 anos de idade jamais haviam realizado mamografia em suas vidas, frente a 26,4% das brancas;
  • a taxa de mortalidade maternal entre as mulheres negras, em 2007, era 65,1% superior à das mulheres brancas; a distorção idade-série no ensino fundamental atingia a 22,7% da população negra, contra 12,4% da população branca;
  • o número de homicídios brancos caiu 25,5% entre 2002 e 2010, e os homicídios negros aumentaram 29,8% no mesmo período.
    O racismo é crime desde 1989, devido à lei federal 7.716 – é inafiançável e imprescritível. A pena pode chegar a cinco anos, além de multa.

Uma campanha sobre o racismo institucional do governo do Paraná foi finalista do Prêmio Profissionais do Ano 2017 e exemplifica como no dia a dia profissionais de Recursos Humanos traduzem de forma ‘corriqueira’ a diferenciação de tratamento e de expectativas que se faz a partir da cor da pele de uma pessoa. O vídeo teve mais de 16 milhões de views, atingindo cerca de 55 milhões de pessoas.

Assista:

Contra esse tipo de crime há a possibilidade de responsabilização administrativa do servidor, indenização por dano moral e também a responsabilização criminal da instituição. Veja onde denunciar:

Promotoria de Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa
Endereço: Avenida Joana Angélica, no. 1312, Nazaré, Salvador
Tel: (71) 3103-6409

Centro de Referência Nelson Mandela
Telefone: (71) 3117-7438
E-mail [email protected]

Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA)
Telefone: (71) 9 8764-4606
E-mail: [email protected].

A denúncia pode ser feita também às ouvidorias dos órgãos envolvidos no caso:

Ouvidoria da Polícia Militar
Telefones: (71) 3115.9324 / 3115.9347
E-mails: [email protected] ou [email protected]

Ouvidoria da Polícia Civil
Endereço: Av. ACM, nº 4009, 1ª Andar – Sala 9 – Edf. Empire Center
Horário de atendimento: 9h às 12h e das 14h às 18h
Telefones: (71) 3116-4669 / 3450-1212
E-mail: [email protected]

*com supervisão da editora Mariana Rios

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