Prender alguém por portar vinagre não é só ilegal. É ridículo

A tentativa absurda do estado de criminalizar os movimentos sociais.

A detenção de manifestantes que portavam vinagre e a prisão em flagrante de outros por crime de quadrilha são atos ilegais e uma clara tentativa de criminalizar os movimentos sociais.

É difícil um autoritário praticar um ato de opressão e não resvalar no ridículo. Na ditadura militar, por exemplo, a par da violência, agentes da repressão, não raro, expunham-se ao ridículo com sua ação estúpida. Basta lembrar a proibição pela censura da música “Torturas de amor”, de Waldick Soriano. Talvez esse seja o ponto em comum dos reacionários: eles perdem o senso do ridículo.

Ontem, a nota ridícula foi a detenção de manifestantes que portavam vinagre. Fosse apenas uma ação ridícula, e estaríamos todos a nos deliciar com as piadas e quadrinhos nas redes sociais. O problema é que o ridículo não exclui a ilegalidade e o abuso de poder.

violencia

É uma coisa elementar, diria até primária, que a Constituição consagra como direito fundamental a regra de que a pessoa só pode ser impedida de fazer algo se houver proibição em lei. Esse direito é essencial em toda democracia e só desagrada pessoas de espírito autoritário.

Convenhamos, é um direito de uma simplicidade desconcertante. Há alguma lei que me proíba de portar vinagre? Portar vinagre se encaixa em alguma proibição genérica? Claro que não. É abuso de autoridade.

Acrescente-se a isso o absurdo jurídico que é a prisão por crime de quadrilha de manifestantes que foram flagrados em algum ato de vandalismo ou violência contra policiais. Não há dúvida que a finalidade de protestar não justifica ações criminosas, como dano ou lesão corporal. É uma visão maniqueísta supor que qualquer ato praticado com o fim de protesto é legal. Isso não significa, porém, que se pode usar todo o poderio do Estado para incriminar alguém além de sua responsabilidade.

Se um manifestante quebra uma vitrine, há dano; se atira pedra em um policial e o fere, há lesão corporal. Ocorre que tais crimes, fora das hipóteses qualificadas, não permitem a prisão em flagrante, por serem crimes que se enquadram na lei dos juizados especiais criminais. Ah, mas nesse caso não se satisfaz a sanha opressiva das autoridades, e por isso se inventa o crime de quadrilha. Reuniões efêmeras e ocasionais como essas, ainda que se tenha a prática de crimes de dano ou de lesão corporal, não configuram quadrilha.

Os atos de abuso não param aí. Houve caso de fixação de R$ 20 mil para a fiança, o que é evidentemente um valor extorsivo, e a violência policial foi a tônica dos confrontos de ontem. Todo esse quadro deixa claro que os agentes do estado não fazem outra coisa, senão manipular a lei penal, para que seus interesses políticos prevaleçam.

O que se tem visto é um esforço monumental dos agentes do estado para criminalizar os movimentos sociais, o que não é democrático e nem legal. É apenas patético.

Fonte: DCM

+ sobre o tema

População parda quase se iguala à branca, diz IBGE

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios revela que, em...

Record terá de exibir mensagens contra racismo após polêmica com Ludmilla

A Record será notificada pelo Ministério Público Federal para veicular...

Entidades vão ao Congresso para exigir o uso de câmeras por policiais

Entidades e organizações do movimento negro participaram nesta quinta...

para lembrar

Lei de cotas garante o ingresso de 638 negros no serviço público em um ano

Legislação que garante 20% das vagas nos concursos públicos...

O Brasil é um país genocida

Há muito tempo, uma grande amiga, também historiadora, me disse:...

Ataques racistas voltam a acontecer na UFABC

É a segunda pichação em duas semanas; alunos afirmam que universidade...
spot_imgspot_img

Identitarismo, feminismos negros e política global

Já faz algum tempo que o identitarismo não sabe o que é baixa temporada; sempre que cutucado, mostra fôlego para elevar o debate aos trending topics da política...

Gilberto Gil, o filho do tempo

Michel Nascimento, meu amigo-irmão que esteve em Salvador neste ano pela milésima vez, na véspera da minha viagem, me disse que uma das coisas...

Em discurso covarde e dissimulado, Conmebol lava as mãos sobre racismo

Eu não posso deixar de falar do racismo. Foi com essas palavras que Alejandro Domínguez, o presidente da Conmebol, começou a discursar sobre o...
-+=