Princesas levam a ‘Afrobetização’ para escolas de São Paulo

Idealizado por estudantes universitárias, projeto promove ensino sobre culturas e histórias africanas

Por Mariana Lima, Do Observatório 3º Setor

 Denise de Oliveira e Raísa Amaral- mulheres negras, vestindo roupas coloridas característica africana, uma usando turbante com diversas cores e a outra usando um tubante rosa- deitadas na grama, uma paralela a outra
As princesas Kambo e a princesa Funji. (Foto: Luane Chinaide)

Duas princesas africanas viajam no tempo para contar para as crianças histórias sobre a cultura do continente africano, usando brincos mágicos herdados de sua avó. É assim que duas jovens se apresentam quando levam o Projeto Adeola para escolas e ONGs paulistanas. A ideia é ensinar de forma lúdica um pouco da cultura e da história da África para as crianças.

Projeto Adeola (termo africano para coroa de riquezas) surgiu em 2015 após pesquisas sobre ‘Afrobetização’ realizadas pelas estudantes universitárias Denise de Oliveira e Raísa Amaral, então estudantes da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

“As nossas princesas são pouco faladas. O que a gente faz é uma luta.”

A primeira apresentação foi um convite de um participante do coletivo negro do qual elas participavam na Universidade. Ele pediu para elas falarem sobre a Afrobetização com crianças de um projeto social.

“Quando fomos nos apresentar pela primeira vez para as crianças, pensamos: ‘E se fôssemos nós? O que íamos querer ver? ’ Precisávamos inovar para chamar a atenção delas e fazê-las se interessarem pela história”, conta Denise.

As estudantes visitam escolas e organizações da sociedade civil que trabalham com crianças a convite de professores ou diretores. Elas utilizam trajes e acessórios que remetem a duas princesas ancestrais, utilizando materiais que já tinham em casa, como os brincos e tecidos.

As princesas ensinam as crianças a fazerem a amarração do turbante, a dançar capoeira e a conhecer os trajes e adereços que usam.

Quem são essas princesas?

Denise interpreta a princesa Kambo e Raísa, a princesa Funji. As duas personagens são filhas da Rainha Nzinga e netas da Rainha Lucy, conhecida na história como o primeiro fóssil encontrado no planeta.

“As nossas princesas são pouco faladas. O que a gente faz é uma luta. Mostramos um lado da História que está oculto ou distorcido pela visão do colonizador, a visão que aprendemos na escola”, diz Denise.

Surpresa é a emoção que mais se destaca nas crianças ao ver as duas princesas chegando em suas escolas.

“As crianças nunca tiveram contato antes com histórias de princesas negras africanas, então, quando chegamos, após a surpresa vem o encantamento. Os olhinhos delas brilham”, revela Raísa.

Impacto nas crianças

As relações com as crianças variam de escola para escola, mas todas mostram interesse em saber mais sobre a cultura africana e sobre as princesas, fazendo várias perguntas e tentando relacionar com outras referências que elas têm.

“Lembro de uma criança que pediu que escrevêssemos uma carta para a mãe dela e fizéssemos um desenho, para provar para a mãe que existiam princesas negras. Porque, se ela apenas falasse, a mãe não iria acreditar”, relatou Raísa.

Enxergar os impactos que o projeto causa nas crianças é o que motiva as princesas a continuarem com a ação, mesmo nos dias mais desanimadores. Ambas relataram a história de uma menina de 6 anos.

“Teve essa menina que se recusava a fazer uma peça na escola na qual seria uma princesa. Ela passava por problemas em casa e tinha uma autoestima muito baixa. Nós fizemos a amarração do turbante nela, e falamos como ela era linda. As outras crianças começaram a querer copiar a armação dela. Depois descobrimos que ela resolveu fazer a peça e que o comportamento dela foi mudando”, contam.

“Acho que ela precisava desta referência, saber que existem princesas negras para ela se inspirar”, conta Denise.

Obrigatoriedade, só no papel

O ensino da história e cultura afro-brasileira é obrigatório no ensino fundamental e médio de escolas públicas e particulares desde 2003, em todo o Brasil, pela lei 10.639.

“A lei é importante, mas ela não funciona. Não temos uma fiscalização para o seu cumprimento, e poucas escolas aplicam. E isso só dificulta que as crianças negras consigam encontrar histórias e pessoas com quem possam se identificar”, desabafa Raísa.

Após a passagem delas nas escolas, os professores mandam feedbacks falando sobre a curiosidade das crianças e pedem a orientação delas para falar sobre a cultura africana na escola.

O Projeto Adeola não possui nenhum investimento externo ou parceria, as meninas se organizam e fazem um orçamento quando a escola ou o professor entra em contato. Sempre que possível, tentam realizar as apresentações de 1h30 gratuitamente.

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