‘Racismo, impunidade e justiça divina’ por Reverendo Zé do Egito

por Reverendo Zé do Egito

Sobre: racismo, impunidade e justiça divina. O dia em que o Facebook me fez pensar. Rev. Zé do Egito

Dias desses no Facebook encontrei um cartaz no qual haviam quatro cérebros. Um de um africano, outro de um europeu e outro de um asiático, todos os três supracitados possuíam o mesmo tamanho. Mas sob o quarto cérebro, o qual era minúsculo, estava escrito: racista. Achei interessante e criativa a manifestação contra o racismo, e refletindo sobre o conteúdo do cartaz, conclui que o racismo está presente em quase todos os lugares possíveis. Lamentavelmente até mesmo em meio aos cristãos, nas Igrejas, no clero, no laicato, nas comunidades reais e virtuais.

O Racismo nosso de cada dia

Nos relacionamentos cristãos o racismo se manifesta por meio de expressões tais como: “João é um negro, mas por ser irmão na fé, é um negro de alma branca”. No nosso dia a dia usamos e ouvimos expressões racistas e nem sequer nos damos conta, pois elas estão tão impregnadas no imaginário popular que muitas pessoas com naturalidade perguntam e dizem: “como ousa me DENEGRIR? Ou: vou JUDIAR de você”. E ao usar tais expressões sempre as usam no sentido de que se sentiram ofendidas por alguém que as DENEGRIU (TORNAR NEGRO) ou por prometer lhes causar dores e sofrimentos (JUDIAR – TORNAR JUDEU). Não, afirmo, mas desconfio que a expressão (JUDIAR) seja anti-semita e tenha surgido no contexto nazista. Nessa época do politicamente correto, devemos tomar todo o cuidado possível com o que falamos ou escrevemos, pois uma palavra pode dizer tudo àquilo que é o oposto do que não queríamos dizer ou realmente pensamos e sentimos. Não acredito que quem use tais expressões deva ser processado, e sejam racistas. Creio que o fazem por ignorância do significado da palavra, assim como usam a expressão: OVELHA NEGRA, a qual traz uma conotação negativa, pois no rebanho de ovelhas brancas a negra se destaca por sua cor, mas quando aplicado a pessoas, é usado no sentido de que tal pessoa em comparação com as demais possui qualidades ruins, ligando assim a cor negra a algo pejorativo. Creio que nestes casos cabe a conscientização, a tolerância, o caminhar junto, o aprender com o outro e pela graça desconstruir conceitos frutos de preconceitos.

Agora, nem todas as manifestações racistas verbais ou por meio de atos são inconscientes. Certa vez ouvi de alguém que, inegavelmente eu sou um cara bom, mas que seria melhor ainda do que sou; se acaso fosse branco como ele é. O que eu ouvi foi uma colocação racista declarada, consciente, partindo de um membro de uma etnia que se julgava superior a minha pessoa e ao meu povo negro. Na concepção dele um negro jamais poderá ser o melhor em algo a menos que se torne branco. Ou seja, algo impossível. É com base em tal sentimento de superioridade étnica que se praticou e ainda se pratica a segregação, o bullying, a opressão e o assassinato do ser enquanto pessoa, por meio do negar oportunidades de ascensão social do corpo por meio do tirar a vida, assim como ocorre nas chacinas nas quais a maioria dos mortos são pessoas negras ou latinas. Foi com base no conceito de raça superior, da superioridade dos arianos que Adolf Hitler dizimou seis milhões de judeus, sem contar os milhares de outros povos. Foi com base na suposta superioridade racial branca, que a escravidão negra firmada em pressupostos teológicos e filosóficos foi constituída, pregada e aceita até mesmo pela Igreja Cristã.

O racismo de lá e o racismo analfabeto de cá

O preconceito étnico, tanto de brancos contra negros, bem como de negros contra brancos, ou dos grupos antes citados contra os asiáticos, ou dos asiáticos contra os negros e brancos está crescendo cada vez mais. Apesar de toda evolução da humanidade no campo da ciência e da tecnologia continua válida a frase de Albert Einstein: “Triste época a nossa, em que é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito

Não concebo o racismo e o preconceito como algo nato, mas algo aprendido, ensinado, praticado e passado de geração a geração. Uma vez aprendido ira se perpetuar, até que alguém rompa com ele. Tal ação que destrói vidas e sonhos não pode ser tolerada nem aceita, antes deve ser combatida com as armas do Evangelho e da justiça, pois a lei existe para quem a transgride, e uma vez que o racismo se configura como sendo crime, quem conscientemente o comete ou incentiva, seja negro ou branco deve ser denunciado e punido. Contudo, além do uso dos dispositivos legais, a superação do racismo passa pela educação e a conscientização, verdadeiras chaves de mudanças no individuo e na sociedade. A esse meu pensar aplico a frase de Nelson Mandela, ativista negro, cristão metodista e ganhador do Premio Nobel em e em 1993. “A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas podem aprender a odiar, podem também aprender a amar.”

Racismo, impunidade e justiça divina

Dificilmente se efetiva a condenação e o cumprimento da pena por crime de racismo. Quase sempre o ato é julgado como sendo crime de injuria, e seu autor paga uma fiança e fica livre. Salvo engano de minha parte, creio que foi o que ocorreu em 13 de Abril de 2005, quando o zagueiro do Quilmes, Leandro Desábato após sair de campo preso por expressões racistas proferidas contra Grafite, jogador do São Paulo, após pagar uma fiança de R$10.000, foi liberado para responder o processo em liberdade, depois de assinar um documento no qual se comprometia retornar ao Brasil enquanto o processo corresse.

Eu acredito que o único lugar que não vamos encontrar racistas será no Céu, pois estarão no inferno discriminando uns aos outros e experimentando em suas almas o sofrimento que geraram nas almas dos outros. Bom, ao menos espero, pois uma vez que, apesar do racismo ser classificado como crime inafiançável, a lei aqui de baixo dificilmente prende e mantém alguém na cadeia por cometer tal crime, resta nos aguardar pela justiça final.

Cada vez que vejo a maldade e a impunidade que campeiam, vicejam e se alastram tal qual tiririca aqui em baixo, eu creio que haverá algo vindo de cima, e permaneço firme crendo que há um Deus o qual no final dos tempos cobrará de cada um os atos praticados contra seu próximo.

Sim, haverá prestação de contas, haverá juízo, haverá uma chamada a responsabilidade por cada ato praticado e não reparado via arrependimento e abandono da prática que fere o próximo e ofende a Deus. Sim, existe um Deus, existe um Juiz Supremo, o qual julgará com equidade e retidão, pois se acaso Ele não existisse, os grandes criminosos racistas da humanidade, a exemplo de Adolf Hitler, a despeito de todos os males que causaram se não houver um Ser Superior a quem prestarão contas, viveram e morreram como os mais felizes dos homens, e infelizes foram somente às vítimas deles. Mas Ele existe, e prometeu pela boca de seu Filho Jesus, dizendo: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão saciados” (Mateus, 5:6)

Enquanto cristão e teólogo creio no céu, creio nas realidades ultimas do porvir que aguardam a humanidade para viver em um novo céu e uma nova terra onde habitam a justiça. Mas ainda que seja concreta, por hora o Céu para nós que ainda aqui militamos é só uma promessa, e no aqui e agora da dura existência humana, temos que combater o racismo e toda forma de preconceitos que impedem o exercício e o gozo da dignidade humana a todos os povos. Combater o racismo faz parte do buscar o Reino de Deus e sua justiça, pois a luz do Evangelho, para Deus, em Cristo “não há grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas Cristo é tudo em todos. Cl 3.11. Não se opor ao racismo e ao preconceito é se posicionar contra o Reino de Deus, e tudo que se opõem ao Reino serve aos propósitos do príncipe deste mundo, o qual tem: roubado, matado e destruído sonhos, indivíduos e povos inteiros, através das múltiplas formas de intolerância, preconceito e racismo.

Ao Único Deus de todos os povos, invocado com múltiplos nomes, seja dada toda honra e toda a glória.

Reverendo José do Carmo da Silva – Zé do Egito

Igreja Metodista em Fátima do Sul – MS.

Fonte: Fatima News

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