Relação ancestral entre mãe e filha é tema do novo clipe da rapper Lena Silva

“Solidão Mãe” retrata o amor de mãe, filha e a vida de muitas mulheres negras e nordestinas, que sozinhas, lutam para criar seus filhos.

Por Thais Siqueira, do Desenrola E Não Me Enrola

Cenas da rapper Lena Silva e sua mãe durante o vídeo clipe “Solidão Mãe”. (Foto: Jordan Fields)

Com muito amor, dedicação e ancestralidade envolvida no desenvolvimento de uma composição autoral, a rapper Lena Silva lança nesta quinta-feira, (12), no mês que é celebrado o dia internacional das mulheres, o videoclipe “Solidão Mãe”, para homenagear sua mãe, Marilene Pereira da Silva, 60 anos, mulher preta, nordestina e periférica que carrega consigo as marcas da deficiência auditiva, fator que segundo Silva nunca interferiu na comunicação entre mãe e filha.

“Solidão Mãe” retrata o amor de mãe, filha e a vida de muitas mulheres negras e nordestinas, que sozinhas, lutam para criar seus filhos. A rapper escreveu a música há quatro anos, mas somente agora, a obra ganhou vida, retratando a história de sua mãe, com cenas que trazem ancestralidade, religião de matriz africana, a força da natureza, os costumes à beira dos rios das lavadeiras e a troca de amor, respeito e afeto entre mãe e filha.

“Quando jogamos búzios juntas pela primeira vez, eu pude sentir toda a dor que ela carregava por ter passado tanto tempo sozinha. O Ilê que nos acolheu é o mesmo que minha mãe frequentava quando criança, junto com minha vó”, relembra a rapper.

Foto: Jordan Fields

Ela conta que seu Ilê passou a morar em São Paulo, nos anos 70, e por uma força do destino reencontrou com a matriarca da família em 2015. “Pura e real, essa letra tem por finalidade falar ao coração, assim como as imagens no vídeo, as cenas foram orgânicas, naturais e ressalta momentos reais, onde cada elemento capturado remete a uma lembrança e aos segmentos da Umbanda”, descreve Silva.

A rapper conta que aos 10 anos de idade, sua mãe contraiu meningite e perdeu a audição, mas isso não a impediu de se comunicar. “Ela faz leitura labial, adora conversar, sair e se divertir”, conta Lena. Quando adulta, se mudou para São Paulo com o incentivo da sua irmã mais velha,Maria de Lourdes, em busca de melhores oportunidades.

Dona Marilene trabalha há mais de 30 anos como empregada doméstica, no qual desses, 26 anos, foram dormindo em casa de família num quartinho de empregada, que contava apenas com uma cama de solteiro, um guarda- roupa embutido, uma televisão e um vitrô, que lhe permitia olhar o passar do tempo em contraste com a parede branca do prédio da frente. Nesse período, passou por diversas humilhações e encontrou a solidão na maior metrópole do Brasil.

“Esse novo trabalho é uma forma simbólica de agradecê-la por ter me dado a luz. É também uma necessidade minha de contar ao mundo como foi a caminhada da minha mãe, Marilene Pereira da Silva, nome completo é extenso, mas necessário para não cairmos no esquecimento, ainda que carregamos o nome de nossos escravizadores, nascemos e crescemos na cidade de Jequié na Bahia. Uma família formada majoritariamente por mulheres, e sempre, sempre caminhamos juntas”, enfatiza Lena.

Ela também faz questão de ressaltar a união entre as duas: “sempre caminhamos juntas, sempre, só nós duas, desde quando ela decidiu me ter. Sim, foi decisão dela. Também não sei como ela conseguiu superar a meningite que tirou sua capacidade auditiva. Sinceramente eu não sei como ela conseguiu cuidar de mim sem ouvir meu choro, sem poder ler a receita do meu remédio.”

As marcas do machismo e da agressão às mulheres também se faz presente na vida da mãe da rapper, fato que não sai dos pensamentos de Lena. “Eu não sei como ela conseguiu superar o chute dado em sua barriga grávida quando estava com 8 meses, provocando um parto cesariana nos anos 80. Deve ser por isso que somos cabeça dura. Ela levou tanta porrada e eu tantas quedas que agora nada mais bate na gente.”

A rapper finaliza fazendo uma descrição de admiração pela sua mãe e destacando o significado dela em sua vida, que reverbera em sua forma e essência de fazer arte. “Ela trabalha desde os 12 anos de idade como empregada doméstica. Sem a audição, sem estudo, sem dinheiro, sem marido, sem o pai da filha, sem casa própria, sem nada além de esperança e vontade de viver. Eu fiquei 10 anos longe dela, devido uma infância difícil, que resultou numa adolescência rebelde. Precisava me conhecer e compreender melhor minha mãe. Eu não sabia de muita coisa, mas agora um pouco eu sei: Mainha é a rainha e o tempo é o rei.”

Ficha Técnica

Produção musical: Quebrada Groove

Produção audiovisual: Hilberto Dias Junior

Produção executiva: Umsoh

Confira o vídeo clipe!

Sobre a rapper Lena Silva

Em 2004, Lena teve a oportunidade de se mudar para Gênova, uma cidade ao norte da Itália a convite de sua tia, Maria de Lourdes, irmã de sua mãe. No período da manhã Lena trabalhava como empregada doméstica, a tarde em uma associação exercendo a prática em regularização de documentos de pessoas provenientes de países africanos e sul americanos – experiência que despertou seu interesse pelo Serviço Social. Durante a noite ela frequentou um curso técnico de turismo. Com o seu primeiro salário na Itália, Lena comprou uma câmera fotográfica compacta e viajou por algumas cidades da Itália e países da Europa, desta forma, ela aproveitou esse período para desenvolver suas habilidades com a fotografia.

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