A relatora da ONU para o direito dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, criticou a decisão do governo brasileiro de nomear o líder evangélico Ricardo Lopes Dias para chefiar a coordenação de índios isolados da Funai. Em entrevista à coluna, ela pediu que a administração de Jair Bolsonaro reavalie a escolha e que desista do nome de Dias para o cargo.
Por Jamil Chade, do UOL
“Essa é uma decisão perigosa e que pode ter o potencial de gerar um genocídio para a população de indígenas isolados”, disse.
O setor é considerado como um dos mais complexos da Funai, justamente por lidar com situações de extrema vulnerabilidade das tribos. O pastor escolhido, porém, é acusado por parte de lideranças indígenas de ter atuado em entidades cujo objetivo é evangelizar tribos. Ele era um dos missionários da organização americana Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), presente na Amazônia.
O anúncio de sua nomeação levou grupos indígenas e até religiosos a atacar a decisão do governo. Entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), e o Conselho Indigenista Missionário, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, emitiram notas pedindo que a escolha fosse reavaliada.
“Estou preocupada com a nomeação”, disse Victoria. “Existe um histórico muito ruim de grupos evangélicos mantendo contatos ilegais com povos isolados”, alertou, lembrando que tal comportamento já foi registrado no Brasil, Equador e Peru. “Esses povos têm o direito de permanecer isolados”, insistiu a relatora, falando por telefone durante uma missão que realizava nesta quarta-feira para a região do ártico.
“A ação do governo (em nomear Dias) é perigosa. O risco de levar doenças desconhecidas para os indígenas é elevado e o governo precisa aprender com o que ocorreu no passado”, insistiu.
Grupos indígenas chegaram a denunciar o fato de que a entidade para qual trabalhava Dias tentou erguer igrejas evangélicas dentro das tribos. A escolha também gerou uma reação da Defensoria Pública da União, que pediu esclarecimentos por parte da Funai sobre os critérios usados para as nomeações.
Na ONU, a situação do governo de Jair Bolsonaro não é nada confortável. No final de 2019, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos pediram que as autoridades brasileiras realizassem uma “investigação imediata, completa e imparcial” sobre os assassinatos de lideranças indígenas.
As entidades condenavam os assassinatos dos caciques Firmino Praxede Guajajara, da Terra Indígena Cana Brava, e Raimundo Belnício Guajajara, da Terra Indígena Lagoa Comprida.
As mortes ocorreram no dia 7 de dezembro, no município de Jenipapo dos Vieiras, estado do Maranhão.
No dia 1 de novembro, outro defensor de direitos humanos já havia sido assassinado na mesma região. O líder indígena Paulino Guajajara foi supostamente atacado por invasores durante emboscada dentro de uma terra indígena.
A CIDH e a ONU alertaram que “o estado brasileiro tem a responsabilidade de garantir a proteção integral dos povos indígenas no país e que deve responder às causas estruturais relacionadas com a luta pela terra e fortalecer os mecanismos de proteção a lideranças”.
As entidades lembram também a responsabilidade do estado “em garantir que quem defende os direitos humanos possa exercer seu trabalho, que beneficia toda a coletividade, em condições de liberdade e segurança”.