A solidão e falta de esperança do preto gay

Desde cedo, eu nunca tive muitas figuras de preto gay para me representar ou para me contemplar na minha vida, eu tive sempre que me contentar com alguns amigos “héteros” que em um futuro próximo se aceitaram como bissexuais. E assim por sorte do destino, dei início a meios relacionamentos que eram bem escassos.

no Turbinei

Tenho certeza que muitos pretos já sentiram na pele como é ser deixado como segunda, terceira ou até mesmo não ser a opção de outros garotos, porque segundo eles “você não faz o tipo dele”. Eu lembro que toda vez que eu ia pra algumas festas, eu sempre acabava “segurando vela”, enquanto isso, todos meus amigos brancos estavam se pegando com várias pessoas. E é claro que eu ficava chateado por não me sentir desejado, passava hora em frente ao espelho desejando que meu nariz fosse menor, que minha boca fosse mais fina, que meu cabelo fosse mais liso, que minha pele fosse mais clara, pois sabia que só assim aquelas pessoas do meu meio iriam me desejar.

E eu te pergunto o que é esse tal do “gosto pessoal”. Por que seu “gosto pessoal” é sempre o cara musculoso, branco e com traços finos? Você já se perguntou o por que disso? Eu te respondo. Gosto é construção social. A sociedade molda o seu “gosto” todos os dias na televisão, nos filmes, nas revistas e você acredita que sempre gostou daquilo que te “atrai”. Não me surpreende ver meus amigos se apaixonarem por garotos iguais aos da Colírio da Capricho e dando fora nos demais que não atendem por aquele padrão estabelecido.

Outra coisa, nós pretos não podemos ter o privilégio de ter um amor afrocentrado, porque sempre outro preto com um jeito mais masculino que o nosso está lá bancando o palmiteiro e namorando uma pessoa branca. E exibe ele como se fosse seu maior prêmio, sinal de status ou qualquer outra bobeira que foi criada por essa sociedade porca. Ele se submete a ser tratado como um pênis ambulante para poder ter alguém. E no fundo, isso é triste.

E é nesse vai e volta de “gosto pessoal” que os pretos estão lá sozinhos, procurando defeitos neles mesmos, com sua auto-estima totalmente destruída, porque nunca se sentem bons suficientes para alguém e quando se sentem bem consigo mesmo, nós ouvimos vários “você não é isso tudo”, “baixa essa bola aí que você não é bonito”. Só somos procurados por curiosidade e para sermos hipersexualizados pelo gay padrão que quer transar com a gente, porque negros tem pênis grande e é “quente na cama”. Não somos objetos para os prazeres imundos de vocês. E se vocês acham que nosso pau é grande, é porque vocês não viram o tamanho do nosso ódio.

Eu sou inteligente, sou engraçado, companheiro e até bonito. Então, por que os outros não me vêem com os mesmo olhos que eu me vejo? Não importa a porcentagem que nós bichas negras sejamos interessantes, nós sempre vamos ficar como segunda opção por causa daquela gay branco que nem é tão interessante assim, mas é padrão. Vocês entendem que nós negros estamos sempre tendo que provar que somos bons suficientes para algo ou para alguém? E já perceberam que temos que ser 400 vezes melhor que um branco que é 100 vezes ruim em algo para sermos notados?

A verdade é que ninguém quer a bicha negra. Só se for pra uma transa casual, bem escondida, discreta, no escuro pra ninguém ver. E a desculpa é sempre a mesma: “Eu não quero um relacionamento sério no momento”, mas no outro dia, nós vemos que ele entrou em um relacionamento com fulaninho padrãozinho da silva. Além disso, sempre somos feitos de pombo correio entre o boyzinho e nosso amigo padrão.

Nós bichas pretas lutamos contra racismo, homofobia, hipersexualização e uma porrada de outros preconceitos pessoais que cada um sofre, nós nos sentimos um lixo, um monstro e ainda assim temos que arrumar tempo para nos amar e levantar nossa auto-estima. Porque não existe nada pior que uma bicha preta solitária que não se ama, né? Ah, dá um tempo branco! É muito fácil vocês falarem isso, vocês sempre foram amados e tratados como deuses.

Se sentir assim é muito frustrante, triste e doloroso, mas há algo que me incomoda muito mais e é ouvir pessoas brancas falando de solidão. Esse tipo de pessoa está há dois dias sem beijar ou levou um fora de outro gay padrão de 700 curtidas no instagram e fala de se sentir solitário e etc. Vocês não sabem o que é isso, e provalvemente é bem possível que nunca saibam. Parem de desfazer do sofrimento alheio. Azaração, pegação e mil namoros é coisa de gente branca.

O empoderamento negro é uma luta árdua e diária. É muito mais que apenas narcisismo, é resistência, é afronte, é cultivar um amor que nunca foi lhe oferecido. Não reclame daquele negro que posta foto todo dia, daquela garota que anda de nariz em pé e “se acha o ultimo biscoito do pacote”. E como diz meus amigos brancos, nós não somos isso tudo. E é verdade. NÓS SOMOS MUITO MAIS. SOMOS FABULOSOS E MARAVILHOSOS!

Esse texto vai para todos amigos negros que se sentem assim da mesma forma. Não estou mendigando afeto de ninguém, mas sim, abrindo seus olhos sobre o quanto a questão do gosto pessoal machuca, o quanto nos sentimos inferiores e menosprezados. Esse texto é para nos empoderar, é para todos meus irmãos que se sentem da mesma forma. Coloquem seus turbantes, armem seus crespos, sorriam e seguimos em frente. Força para todos nós!

E como diz meu amigo Ezio: Beije seu preto em praça pública!

*Afrocentrado: Relacionamento entre duas pessoas negras.

*Palmiteiro: Homem negro que se relaciona com pessoas brancas por status, como se fosse um prêmio e acaba menosprezando pessoas negras.

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Sobre a solidão da mulher negra

A solidão da mulher negra

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