TJ de SP condena hemocentro que recusou doação de sangue de jovem por ele ser gay

Enviado por / FonteDo G1

Desembargadores entenderam que não houve discriminação intencional do Instituto HOC, terceirizado do Hospital Oswaldo Cruz, mas reconheceram desinformação sobre decisão do STF. Decisão de 1ª instância foi revertida, após recurso do Centro de Assistência Jurídica Gratuita Saracura (CAJU), da Escola de Direito da FGV.

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou nesta quinta-feira (29) o hemocentro do Hospital Oswaldo Cruz por ter recusado a doação de sangue de um jovem por ele ser gay. Cabe recurso.

Em nota ao G1, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz disse que não é parte na ação judicial e que por isso não tem como recorrer no processo. De acordo com a instituição, a ação é contra o Instituto HOC de Hematologia, prestador de serviço terceirizado.

De acordo com o hospital, os procedimentos relativos à doação de sangue por doadores homossexuais do sexo masculino foram atualizados assim que o Ministério da Saúde emitiu um ofício em que comunicava a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado.

No dia 11 de junho de 2020, após tomar conhecimento dos baixos níveis de sangue nos estoques de São Paulo em meio à pandemia do coronavírus, o estudante de Direito Natan Santiago foi ao Instituto HOC, no bairro do Paraíso, Zona Sul. Contudo, ele foi impedido de fazer a doação após responder positivamente à questão 47, sobre ter tido relação homossexual nos últimos 12 meses.

A equipe do Instituto HOC alegou que a Portaria 158/2016 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibia a doação de sangue por homens homossexuais e bissexuais, e que naquela data ainda não havia sido comunicada pelo Ministério da Saúde sobre a efetividade da decisão do STF.

Natan procurou os colegas da FGV, do Centro de Assistência Jurídica Gratuita Saracura (CAJU), da Escola de Direito, e protocolou uma ação no TJ. Àquela altura, a portaria já não era mais válida, pois no mês anterior, o STF concluiu um longo processo, que começou em 2017 e que considerou a proibição inconstitucional.

Em primeira instância, o pedido de Natan não havia sido atendido, pois a Justiça não entendeu que houve constrangimento e humilhação, uma vez que o Instituto HOC liberou a doação dele logo após o episódio.

Nesta quinta, contudo, o desembargador relator Alcides Leopoldo e Silva Jr. atendeu parcialmente ao pedido dos advogados de Natan, descartando a hipótese de discriminação intencional por parte da equipe do hemocentro, mas reconhecendo que faltou informação por parte da instituto.

“Com todo respeito a tese, mas não acho que haveria necessidade de um parecer de um procurador do Ministério da Saúde ou da Anvisa para dar efetividade a uma decisão do Supremo. A eficácia acontece a partir da publicação da ata do julgamento. Além disso, o assunto foi amplamente divulgado pela imprensa, inclusive internacional”, pontuou Alcides Leopoldo e Silva Jr.

“O instituto não se imputou de uma conduta desrespeitosa, já que a enfermeira responsável inclusive lamentou o ocorrido. O que aconteceu foi uma total desinformação por parte do hospital no atendimento. Resumindo, independentemente de não ter tido intenção discriminatória, o instituto causou mal, causou dano, e por isso deve compensar o dano moral”, completou o desembargador.

Ele sugeriu o pagamento no valor simbólico de R$ 2 mil, e a sugestão foi acompanhada unanimemente pelos outros dois desembargadores, Marcia Regina Dalla Dea Barone e Enio Zuliani.

O colegiado também recomendou que o caso componha a jurisprudência do tribunal, ou seja, que ele passe a compor uma lista selecionada de casos importantes para servir de exemplo para futuros julgamentos.

Como decidiu o STF

Contrariando um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), a maioria dos ministros decidiu que normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que limitavam a doação de sangue por homens gays são inconstitucionais.

O entendimento do STF foi no sentido de que os dispositivos ofendem a igualdade e a dignidade humana, afrontando a Constituição Federal. Na ocasião, o ministro relator da ação, Edson Fachin, acompanhado dos votos dos ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes, disse que os dispositivos do Executivo:

  • ofendem a dignidade da pessoa humana, pois impedem as pessoas de serem como são;
  • insultam os direitos da personalidade à luz da Constituição da República​;
  • ​aviltam​ o direito fundamental à igualdade ao impedir as pessoas destinatárias da norma de serem tratadas como iguais em relação aos demais cidadãos;
  • fazem a República Federativa do Brasil ​derribar o que ela deveria construir – uma sociedade livre e solidária;
  • induzem o Estado a empatar o que deveria promover – o bem de todos sem preconceitos de sexo e quaisquer outras formas de discriminação;
  • afrontam a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Interamericana contra Toda Forma de Discriminação e Intolerância, os quais, em razão do art. 5o, da Constituição, por serem tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, possuem natureza materialmente constitucional.

Como o mérito da ação foi julgado pelo STF no dia 8 de maio de 2020, a portaria 158 não era mais vigente no momento em que Natan tentou doar sangue. A decisão passou a valer a partir do dia 22 de maio, data da publicação da ata de julgamento.

O pedido de indenização por danos morais se baseia no fato de que o critério da orientação sexual usado para aceitar ou negar doações causou constrangimento a Natan. Os advogados do CAJU-FGV relembram que o dano moral por homofobia foi ​reconhecido como crime pelo STF em 2019.

“A discriminação praticada pelo instituto violou o dever jurídico de tratar Natan com igual respeito e consideração, independentemente de sua orientação sexual, e, ao fazê-lo, também afrontou o dever de tratá-lo como pessoa digna, atingindo uma esfera fundamental de sua existência que é a do afeto e da sexualidade, sem a qual não é possível se realizar, conviver e, às vezes, nem mesmo sobreviver”, argumentaram os advogados na ação.

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