O Conselho de Ética do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) decidiu, nesta quinta-feira,13, em primeira instância, recomendar o arquivamento da representação que pedia a suspensão do anúncio “Gisele Bündchen – Hope Ensina”. A decisão de colocar em julgamento a campanha, veiculada nas redes privadas da televisão brasileira, foi decidida pelo Conar a partir de denúncia encaminhada por 40 consumidores e também por representação da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM), que também recebeu denúncias de consumidores.
A Secretaria avaliou hoje que o fato do Conar ter levado a representação a julgamento em seu Conselho de Ética já representou um importante avanço. “O Conselho de Ética do Conar opera com o princípio da admissibilidade. Assim, ao levar a representação a julgamento admitiu a importância do debate”, avaliou a Secretaria. A Secretaria informa também que acata a decisão do Conar e que não vai recorrer.
O relator do processo afirmou, ao justificar seu voto, que “os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina”. Para a SPM, ao admitir a existência de estereótipos na peça publicitária, o voto do relator também representou um avanço no debate.
“Um dos papéis da SPM, estabelecido no Capítulo 8 do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, é justamente o combate aos estereótipos”, informa a Secretaria.
A campanha, denominada “Hope ensina”, protagonizada pela modelo Gisele Bundchen, estimula as mulheres a fazerem exposição do corpo e insinuações sensuais para amenizar possíveis reações de seus companheiros frente a incidentes do cotidiano, como excesso de gastos no cartão de crédito ou um acidente com o automóvel.
A DEFESA – A defesa da representação, no julgamento realizado na manhã de hoje, na sede do Conar em São Paulo (SP), foi feita pela ouvidora da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Ana Paula Schwelm Gonçalves. Ela explicou ao jurados que a Ouvidoria recebeu inúmeras reclamações sobre a peça publicitária e, “por dever de ofício, encaminhou a representação” ao Conar.
“Assim como fazemos com todas as centenas de comunicações que recebemos regularmente na Ouvidoria, vindas de cidades de todo o país, – e que vão desde denúncias de violência contra mulheres a denúncias de várias formas de discriminação – primeiro avaliamos se a denúncia tem base jurídica e, só a partir daí, encaminhamos a representação aos órgãos responsáveis. No caso, avaliamos que a peça publicitária realmente fere alguns artigos do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária”, explicou a ouvidora da SPM.
Ana Paula lembrou que esta não foi a primeira vez que a Ouvidoria recebeu denúncias referentes à publicidade discriminatória e as encaminhou ao Conar. Em mais de uma ocasião, o Conselho de Ética do Conar decidiu pedir aos responsáveis a suspensão da veiculação da peça.
ARGUMENTOS – Os argumentos da defesa foram baseados nas determinações do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. “O Código de Autorregulamentação é um código de ética e serve como fonte subsidiária no contexto da legislação. Nesse sentido, toma-se como referência a Constituição Federal, que coloca a igualdade entre homens e mulheres como princípio fundamental”, relata a ouvidora.
O artigo 19 do Código estabelece que “toda a atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à dignidade da pessoa humana”, lembrou Ana Paula. De acordo com a ouvidora, o princípio da respeitabilidade afirma que nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de discriminação racial, incluindo a discriminação sexual.
“Por um lado, a falta de responsabilidade social se mostra mais nítida, no que tange ao desrespeito para com as mulheres, quando as reduz a meros objetos de satisfação sexual. Por outro lado, a respeitabilidade também é ferida ao reduzir a mulher a um objeto de sedução”, argumentou a ouvidora.
AVANÇOS – Ana Paula lembrou que o Conar vem “contribuindo decisivamente” para o avanço da publicidade brasileira, particularmente no que se refere à utilização do corpo feminino e da sensualidade em comerciais de TV ou anúncios de jornais. “As mudanças na propaganda de cerveja são um exemplo que merece ser festejado. O avanço é tamanho que atualmente existem 32 normas éticas, adotadas nos anos de 2000, 2004 e 2008, para demonstrar a responsabilidade ética da comunicação das cervejas”, lembrou ela. A propaganda de uma marca de cerveja foi retirada do ar, no ano passado, por decisão do Conselho de Ética do Conar, após julgamento de representação encaminhada pela SPM.
Algumas destas normas estabelecem que a publicidade não pode mais explorar o erotismo ou a sensualidade. E os personagens masculinos das peças publicitárias não podem mais mostrar que “se dão bem com a mulherada” por causa da cerveja. O código também estabelece: “Eventuais apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da mensagem; modelos publicitários jamais serão tratados como objeto sexual”.
“Em um dos acórdãos do Conar, está estabelecido que não podem ser utilizadas imagens, linguagem ou argumentos que sugiram ser o consumo do produto sinal de maturidade ou que ele contribua para maior coragem pessoal, êxito profissional ou social, ou que proporcione ao consumidor maior poder de sedução”, lembrou Ana Paula, apresentando sentenças decididas pelo próprio Conar, para sustentar a representação feita pela SPM.
Fonte: Lista Racial