No dois de janeiro de 2015, fui tomar café da manhã na padaria – que de tanto frequentar já chamo de minha. Foi então que vi o gerente, pendurado em uma escada, retirando os enfeites de Natal. Imediatamente exclamei: Nossa! Já?!? Não é só no seis de janeiro que a gente desfaz os cenários de Natal? Ele respondeu bate-pronto: “A dona mandou tirar tudo”. Eu, que não tenho título, mas tenho espírito de professora, argumentei que seis de janeiro é o dia dos Reis Magos – Melchior, Baltazar e Gaspar. E que apenas nessa data o Natal acaba, pois nesse dia os Magos, guiados por uma estrela, encontraram e presentearam o bebê Jesus. Portanto, a dona da padaria estava incorrendo num crime de lesa-tradição.
O engraçado dessa história é que eu mesma não dou a mínima para o Natal. Nunca monto árvores, não armo presépios, não compro tâmaras ou passas. Detesto panetones com suas frutinhas cristalizadas. Até evito comer a deliciosa carne de porco, depois que vi na Internet como eliminavam os bichinhos num matadouro clandestino na Austrália. Mas o fato é que, na padaria, tomei as dores dos Santos Reis. Diga-se que os três são santos no coração popular, uma vez que o Vaticano nunca os reconheceu oficialmente. Também sei o quanto uma parte do Brasil gosta deles, promovendo folias cantantes, dançantes e coloridas. Minha avó Affonsina, cearense de brava estirpe, nasceu num 6 de janeiro. Quando criança, ela confundia os festejos aos Reis com a comemoração do seu aniversário.
Voltando à padaria. Ter presenciado a retirada dos enfeites natalinos antes da data, me fez pensar que a maioria das tradições reside numa área afetiva dos nossos cérebros. Elas pouco têm a ver com lógicas, procedimentos, pragmatismos. É evidente que entendo a dona da padaria. Provavelmente sua intenção era economizar luz elétrica ao retirar aquelas estrelinhas piscantes – por sinal bem feinhas. Mas ao fazer isso ela feriu um costume que prezo. Pela economia de uns trocados desprezou uma tradição. É evidente, também, que nada é para sempre. Costumes, mesmo os que têm idade de séculos, podem simplesmente desaparecer. Basta que as pessoas deixem de observá-los. É nesse momento que eles saem da prática cotidiana e entram no universo da memória. Viram estrelinhas não nas paredes de padarias, mas no imenso céu imaterial.