Conselho da Europa coloca Portugal no topo de países da Europa Ocidental com o maior número de casos de violência policial, sobretudo quando se trata de afrodescendentes portugueses e estrangeiros.
Por Amílcar Correia Do Publico
Há uma mancha cíclica e indelével que paira sobre a actividade da polícia em Portugal: a violência provocada pela discriminação racial. Quando uma esquadra inteira é formalmente acusada pelo Ministério Público dos crimes de tortura, sequestro, injúria ou ofensa à integridade física qualificada, motivados pelo ódio e pelo racismo, é porque algo vai mal numa polícia que deveria garantir a segurança interna, defender a legalidade democrática e garantir os direitos dos cidadãos. Os 18 polícias da esquadra de Alfragide aguardam julgamento, têm obviamente direito à presunção de inocência, e a parte não pode ser tomada pelo todo. Estamos todos de acordo. Mas a questão é que estas ocorrências corroem a respeitabilidade e a missão das forças de segurança, quer seja internamente, quer seja externamente, sem que as hierarquias demonstrem muito empenho em travar a sua repetição.
Por duas vezes, no espaço de um semana, Portugal surge destacado pelas piores razões em matéria de direitos humanos e de violência policial. E não só por causa do episódio da Cova da Moura. Relatórios da Amnistia Internacional e do Comité Anti-Tortura do Conselho da Europa são pouco simpáticos com a actividade policial no país. Este último organismo do Conselho da Europa coloca Portugal no topo de países da Europa Ocidental com o maior número de casos de violência policial, sobretudo quando se trata de afrodescendentes portugueses e estrangeiros. É intolerável que a forma como um cidadão é tratado numa esquadra varie em função da cor da pele ou da nacionalidade, nessa manifestação boçal de um racismo subterrâneo que sempre existiu e nunca assumimos. Que esse racismo larvar tenha lugar numa esquadra ainda torna tudo muito mais escabroso.
Não se pode acusar a tutela de complacência para com os abusos, mas também não se pode dizer que tenha sido, e seja, devidamente enérgica a prevenir e a lidar com estes casos. A Inspecção-geral da Administração Interna só por si não chega para impedir que novos casos se repitam, quanto mais não seja porque não tem a devida independência. E uma das críticas feitas no relatório refere mesmo que muitas das 248 queixas de ofensas físicas de que foram alvo agentes da PSP e GNR não chegam a tribunal, dando lugar a um sentimento de impunidade. E nenhum Estado pode pactuar com a impunidade.