A comunicação como instrumento de transformação

A convicção de que a comunicação deve estar no centro das ações das organizações que atuam para a transformação social tem um forte exemplo na campanha de educação pública realizada contra o Dont Ask, Dont Tell, termo utilizado para a antiga política de restrição a gays nas Forças Armadas dos Estados Unidos.

Por Maíra Junqueira, no HuffPost Brasil

De acordo com essa política, os homossexuais poderiam permanecer nas Forças Armadas caso não revelassem sua orientação sexual. Durante uma década, a organização Palm Center, que luta pelos direitos dos homossexuais nos EUA, desenvolveu uma estratégia de informação baseada em uso de ferramentas de comunicação, divulgação de dados de pesquisas, advocacy e educação pública com o objetivo de derrubar a restrição.

Em 2011, o governo norte-americano aboliu oficialmente a proibição e passou a permitir que homens e mulheres pudessem prestar o serviço militar sem ter medo de represálias ou da expulsão.

O sucesso da campanha mostrou a importância da utilização adequada de estratagemas de comunicação para a conquista de um objetivo específico. Um dos métodos utilizados foi a conquista da adesão de porta-vozes tradicionalmente relacionados a outras bandeiras, o que despertou a atenção da opinião pública.

Aaron Belkin, diretor da Palm Center e um dos criadores da campanha bem-sucedida, foi um dos destaques da ComNet -The Communications Network Annual Conference 2016, conferência anual para discutir as estratégias de comunicação para o setor social realizada em Detroit (EUA) em setembro.

Ele detalhou a articulação de técnicas e métodos que tornou a campanha contra o Dont Ask, Dont Tell um caso emblemático da possibilidade de mudar políticas públicas por meio da conquista do apoio da população. Também ressaltou a importância de insistir na mensagem a ser divulgada, o que pode ser feito de formas diversas, mas sempre com a repetição da relevância da causa.

O ComNet 2016 reuniu 500 profissionais do setor social para debates e trocas de experiências sobre o potencial da comunicação.

Ao lado de representantes de outras organizações brasileiras, participei como representante do Fundo Brasil de Direitos Humanos de workshops, conferências, debates e painéis realizados durante o evento. Além do Fundo Brasil, marcaram presença organizações brasileiras como o GIFE, o Instituto Alana, a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, o Instituto Ayrton Senna, o Minha Sampa e o Instituto Unibanco.

Foi uma grande oportunidade de conhecer outras realidades e possibilidades, além de trocar experiências.

Temas como as experiências digitais de comunicação estratégica, como causar impacto no público e a influência das questões culturais na compreensão das mensagens estiveram no centro das discussões.

Um dos pontos debatidos, por exemplo, foi a importância de conhecer e entender a audiência em potencial das campanhas de comunicação e quais são as ferramentas que podem ser utilizadas para isso. É uma questão bastante avançada entre as organizações sociais dos Estados Unidos.

A curadoria do conteúdo a ser transmitido e a escolha do público-alvo são importantes desafios para conseguir comunicar em um cenário em que há uma avalanche de informações circulando na internet e uma intensa disputa pela audiência.

Nesse contexto, o foco no público que interessa de fato e a customização da informação são estratégias que ganham força.

Para organizações que atuam no campo dos direitos humanos no Brasil também é um grande desafio lidar com um ambiente cultural em que as forças conservadoras ocupam cada vez mais espaço e em que grande parte da sociedade ainda não compreendeu a importância de apoiar os defensores de direitos.

Na ComNet, uma das discussões foi baseada em como fazer com que o público pense diferente do que está acostumado e, a partir disso, tenha ações também diferentes.

Shaun Adamec, diretor de comunicações estratégicas da Nellie Mae Education Foundation, e Nat Kendall-Taylor, CEO do FrameWorksInstitute, lembraram que muitas vezes a linguagem que usamos para enfrentar as formas conservadoras de pensamento correm o risco de reforçá-las ainda mais, tornando ainda mais complicada a comunicação de nossas ideias.

Identificar de que forma a linguagem reforça o pensamento conservador; conhecer novas formas e estratégias para comunicar questões difíceis; e aplicar esses aprendizados para pensar em maneiras diferentes de envolver o público e ser mais eficaz foram questões que estiveram no centro da conversa com os dois comunicadores.

Outro destaque na conferência foi a apresentação da campanha Love has no label, veiculada no Valentine´s Day, em Nova Iorque, e que ganhou repercussão mundial. A campanha usou imagens de raio-x de participantes de várias idades e gêneros para mostrar que todos são iguais e ressaltar a diversidade do amor. Na ComNet, a campanha serviu como base para a discussão sobre os tipos de divulgação que conseguem interagir com os jovens e o fato deles criarem os padrões nos ambientes virtuais, exatamente por serem os que mais produzem na internet.

No geral, a participação na conferência foi uma oportunidade de discutir as melhores formas de envolver os jovens que vivem em um ambiente digital nas causas sociais e também como aprender com essa geração.

O Fundo Brasil se mantém atento às novidades relacionadas às mídias sociais e tem como uma de suas estratégias de comunicação a atuação em canais onde já existe um público engajado nas questões relacionadas aos direitos humanos, principalmente o Facebook, o Twitter e o site da fundação.

Textos, fotos, vídeos, gifs e infográficos compõem o conteúdo, baseado principalmente nas histórias dos projetos apoiados ao longo de dez anos e em ações de promoção e divulgação da filantropia para a justiça social.

Atuamos cada vez mais utilizando o poder que a comunicação tem como garantidora de direitos, com a perspectiva de que comunicar é uma ação política de longo prazo e que é necessário perseverar na divulgação de uma mensagem, além de usar os instrumentos disponíveis para conhecer e conquistar a sociedade.

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*Texto escrito por Maíra Junqueira, coordenadora executiva adjunta e coordenadora de relacionamento com a sociedade do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

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