Maira Azevedo: Juventude negra e a espera pelo dia seguinte

Fonte: Vermelho Oline

 

“Alvos prediletos dos grupos de extermínio e das ações violentas de alguns policiais, a juventude negra está no topo dos índices que revelam as desigualdades sociais e raciais do nosso país. Sinônimo de inconseqüência e futilidade foi assim que a mídia definiu a juventude brasileira nos últimos anos. Basta ligar o aparelho de TV ou adquirir qualquer publicação destinada ao público jovem que se pode constatar a visão que insistentemente é passada sobre cerca de 20% da população.”

Por Maira Azevedo*

Divulgação/Unegro

As preocupações, as ações e os sonhos são todos pautados pelo consumo exacerbado, como se a única inquietação juvenil fosse ter a roupa da moda, o tênis da vez ou ainda freqüentar os lugares badalados.

Mas, dentro deste universo existe um outro percentual, que representa aproximadamente 7% de brasileiros e brasileiras e que possuem um outro sonho. Um sonho que e a primeira vista pode parecer simples e banal, entretanto vem se tornando cada vez mais difícil: o dia seguinte.

Essa é a realidade dos jovens negros, com idade entre 15 e 24 anos, que representam cerca de 15 milhões de pessoas e que todos os dias, quando conseguem chegar em casa, têm motivos para comemorar. Conseguiram a façanha de vencer as estatísticas. É um sobrevivente do sistema perverso, que silenciosamente aniquila a juventude negra brasileira.

Alvos prediletos dos grupos de extermínio e das ações violentas de alguns policiais, a juventude negra está no topo dos índices que revelam as desigualdades sociais e raciais do nosso país. Somos nós, jovens negros que vivemos sob o jugo das famílias consideradas pobres e miseráveis, que recebemos os salários mais baixos do mercado e também os primeiros a serem escolhidos na hora da demissão, e ainda, no caso das jovens negras, as que morrem nas clínicas de abortos clandestinos.

Entre as medidas atuais de extermínio da juventude negra, vemos a campanha a favor da redução da maioridade penal. A consciência dos privilégios da elite branca brasileira é tamanha, que existe todo um setor conservador conspirando e usando as instâncias de poder para legitimar mais um crime coletivo. Querem sentenciar ao cárcere de seres humanos, aqueles que são, muitas vezes, mais vítimas do que algozes. Destinar a juventude negra às “penitenciárias juvenis”, conhecidas como casas de recuperação, que são verdadeiros depósitos de crianças, e como não poderia deixar de ser, na sua maioria negra e pobre.

Porque dentro de um largo contingente de jovens negros, que cometem algum tipo de delito, e são rapidamente cunhados de criminosos, facilmente se encontra meninos e meninas que não tiveram oportunidades.

Exemplo contrário foi o caso do grupo de cinco amigos cariocas, moradores de condomínios de luxo, na zona sul do Rio de Janeiro, que espancaram e roubaram a empregada doméstica Sirley Dias, pelo bestial motivo de que se tratava de uma prostituta. Mas, para os que subjugam as leis, essas coisas não foram crimes, mas sim, simples brincadeiras de mau gosto. Pois, como bem definiu o pai de um dos criminosos que atacaram a empregada, “eles só queriam se divertir”.

Bom, eu preciso dizer a esse pai desavisado, que muitos dos meus irmãos, jovens negros, que são levados a praticar delitos, não o fazem por diversão. Mas, sim pela busca do direito que lhe foi subtraído de poder se alimentar, de garantir sua sobrevivência e poderem colocar em prática, ainda que por mal traçadas linhas, o artigo 5 º da Constituição: o seu direito de ir e vir, na certeza que não será um dos escolhidos dos grupos de extermínios, das ações de policiais truculentos, que não se tornará mais uma vítima das chacinas, que já são recorrentes na nossa cidade, ou ainda ser escolhido como o alvo da diversão desses grupos de jovens, que sempre tiveram acesso a tudo, e ainda assim, teimam em tirar, daqueles que socialmente não têm nada, a única coisa que lhes resta, a sua dignidade ou a sua vida.

E é por isso que a juventude negra brasileira tem pressa, mas uma pressa diferente de tudo. Não é a espera de uma festa, de mais um programa ou de uma nova roupa. Tem pressa de viver. De ter a certeza que terá direito ao seu dia seguinte. De que o silêncio que impera sobre seu genocídio lento, gradual e programado será quebrado. Porque não falar sobre isso é compactuar com o modelo perverso que prevalece e nos mata aos poucos.

Queremos ter o poder de decidir o nosso destino. E estamos nos organizando para isso, formando frente de batalhas, contra o sistema. Ocupando espaços que historicamente decidiram que não seria ali o nosso lugar. E dando passos para que o dia seguinte, não seja mais apenas uma vitória contra as estatísticas e sim a implantação de uma sociedade verdadeiramente democrática.

* Por Maira Azevedo, Coordenadora Estadual de Comunicação da Unegro (União dos Negros pela Igualdade)-Bahia.

Matéria original: Maira Azevedo: Juventude negra e a espera pelo dia seguinte

 

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