Professora cria museu temporário para celebrar histórias pessoais dos alunos

Para chamar atenção dos estudantes sobre importância e capacidade de cada pessoa na construção da história, professora organiza análise e exposição de objetos pessoais em museu temporário

por Adriana Negreiros Campos, do Porvir

O projeto “Museu temporário de lembranças” foi desenvolvido com duas turmas do 5º ano do ensino fundamental, em uma escola municipal de Santos (SP). Como responsável pela área de história, comecei a perceber a dificuldade dos alunos associarem a disciplina com a história de vida deles e da família.

Eu tinha terminado um mestrado no Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE-USP) que era justamente sobre educação patrimonial e o objetivo do arqueólogo. Então, resolvi fazer uma atividade, a princípio, com documentos e objetos. A proposta era construir um museu que abarcasse as memórias por meio de objetos significativos trazidos pelos próprios alunos, pelos professores, pela equipe técnica e também por mim.

Comecei a levar meus objetos para que servissem como meio para eu trabalhar história e história textual com alunos. Levei um baú, uma máscara antiga, réplicas de objetos arqueológicos, objetos indígenas e até um disquete. Nós fizemos todo um trabalho de interpretação dos materiais.

museu

Os alunos se dividiram em grupos e eu passei um roteiro de perguntas para eles. Segundo pesquisei no meu mestrado em arqueologia, nós devemos fazer perguntas pro objeto. Primeiro, são questionamentos sobre o aspecto físico: como é o objeto, qual é a sua estrutura e se ele está inteiro ou em pedaços. Depois, vinham perguntas sobre a tecnologia: qual é o material do objeto, como foi produzido, se foi produzido por uma pessoa só ou várias, se foi produzido em uma fábrica ou feito à mão, quem usou aquele objeto, entre outras questões. Tudo isso para que depois eles tivessem o mesmo olhar com os objetos que trariam de casa para a escola.

Quando os alunos começaram a trazer seus pertences, nós não sabíamos muita coisa sobre aqueles materiais. Então foi preciso fazer outro movimento: eu incentivei que eles pesquisassem com as famílias sobre o que tinham trazido, como: que foto era aquela, quando tinham usado a roupinha que levaram, qual era a história por trás daquele brinquedo. Aí sim, voltaram para a sala de aula com essas informações.

Nesse momento, contei com a parceria da professora de língua portuguesa, que ajudou na redação das legendas de cada material e na elaboração do catálogo do nosso museu. Trata-se de um processo longo: a criança vem, escreve, revisa, depois escreve mais. E a gente foi juntando essa produção. Cada objeto tinha um texto próprio que contava sua história.

alunos

Nós também realizamos atividades fora da escola. Visitamos uma aldeia indígena chamada Rio Silveira, que fica em Bertioga. Um dos assuntos previstos no plano do curso era o surgimento do homem. Então, eu abordei a questão da chegada do homem branco na América e seu encontro com os povos indígenas. Para mostrar aos alunos que os indígenas não são aqueles que “vivem no passado”, nós também visitamos a aldeia. Nessa ocasião, os estudantes perceberam que existem, sim, índios na atualidade.

O produto final foi a montagem de um museu temporário com todos os materiais trazidos para a escola. Mas o objetivo do projeto foi trabalhar história e mostrar para os alunos que ela não se faz só com escrita, mas também com documentos e com os próprios objetos. A história pessoal é tão importante quanto a história que está no livro. Eu queria que eles soubessem que a história é construída por pessoas como nós e que a gente também pode produzir conhecimento.

Eu acho que, quando os alunos sentem que a atividade tem uma razão e existe uma função no que estão fazendo, fica muito mais fácil, é mais tranquilo desenvolver a proposta

Na grande maioria das escolas públicas, o professor só tem o livro didático como fonte de conteúdo. Eu queria mostrar para os alunos que o livro serve como orientador, mas que nós podemos ir além, transformando a escola num local de produção do conhecimento, não em um local de mera reprodução.

Os estudantes foram muito receptivos ao projeto como um todo. Eu acho que, quando eles sentem que a atividade tem uma razão e existe uma função no que estão fazendo, fica muito mais fácil, é mais tranquilo desenvolver a proposta. Eles ficam motivados porque percebem que aquilo é importante, e que o aprendizado vai valer pro resto da vida.

Sobre a autora 

Adriana Negreiros Campos

Formada em História pela Universidade Federal Fluminense e mestre em Arqueologia pelo Museu de Arquelogia e Etnologia (USP) . Atualmente, coordena na Secretaria de Educação de Santos, projetos referentes à História e Arqueologia da cidade e formação de professores nas seguintes áreas: Educação Patrimonial, História local, Arqueologia e História da África e questão racial no Brasil.

+ sobre o tema

Professores indígenas ocupam Secretaria de Educação da Bahia

  Um grupo de 60 professores, alunos e pais indígenas...

Antonio Candido indica 10 livros para conhecer o Brasil

  Quando nos pedem para indicar um número muito limitado...

Resultado da segunda chamada do ProUni sai nesta segunda-feira

Brasília – Os estudantes que se inscreveram no Programa...

Em São Paulo, 46% dos alunos admitem ter passado de ano sem aprender a matéria

Camila Maciel - Repórter da Agência Brasil Quase metade (46%)...

para lembrar

Estudantes protestam contra exigência do Enem para Ciência sem Fronteiras

Nova regra para concorrer a bolsas de estudo no...

USP assina acordo experimental para participar do Enade

Além da prova, a universidade estadual paulista participará das...

A campanha dos professores para denunciar Paes e Cabral

Charge do Vitor Teixeira, via Facebook do site do SEPE,...
spot_imgspot_img

Geledés participa do I Colóquio Iberoamericano sobre política e gestão educacional

O Colóquio constou da programação do XXXI Simpósio Brasileiro da ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação), realizado na primeira semana de...

A lei 10.639/2003 no contexto da geografia escolar e a importância do compromisso antirracista

O Brasil durante a Diáspora africana recebeu em seu território cerca de 4 milhões de pessoas africanas escravizadas (IBGE, 2000). Refletir sobre a formação...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=