Uma heroína me salvou dessa droga de vida

Este é o primeiro guest post que eu coloco no blog. E espero que venham outros. Em outra ocasião eu divago sobre isso. O texto a seguir é do Lucas Vitorino, um compa que eu esbarrei por aí sem querer e que me deu novas noções de respeito. E que vai ter as portas do blog abertas pra escrever sempre que quiser.

Uma heroína me salvou dessa droga de vida.

Em meio aos prantos, quieto, um pouco mais confortável e mais feliz em relação ao passado, mais precisamente quando tinha entre 7 e 10 anos, eu escrevo algo que provavelmente provém de toda energia das matrizes matriarcais africanas.

Homens cis héteros quando crescem tendem a relacionar seu pai como a sua primeira figura de inspiração e de representatividade, mas no terceiro mundo, no abismo periférico, o cenário muda um pouco:

Filho de mãe negra agredida sua vida toda por um homem branco, alguém já viu esse filme antes? Eu já! E ele era uma reprise constante em meio a uma rotina massante que era viver na favela.

Que figura heroica era essa? Que agredia, que silenciava? Que figura heroica era essa que tinha sede por sangue, que transpirava raiva e inspirava uma falta de humanização tremenda? Eu não sei. Eu estava confuso. Eu não tinha nenhuma referência de herói paterna internalizada em mim, minha heroína mesmo foi quem me abraçava em meio aos prantos para me confortar e dizer que estava tudo bem, apesar de serem visível os hematomas no seu corpo e em sua alma. Minha heroína mesmo foi quem fez bonecas Abayomis de felicidade com o pouco de força e de racionalidade que lhe restava, a verdadeira provedora foi que me trouxe afeto, carinho, foi quem me trouxe barcos de esperança em meio a um mar vazio de dores e de angústias, foi quem desde cedo olhava em meus olhos e dizia:

“Por favor, não seja assim. Você pode ser diferente, eu acredito em você.”

Pessoas heroínas estão por aí, são invisibilizadas, mas isso não significa que elas não existam. Pessoas heroínas estão por ai, tentando serem vistas e ouvidas. Pessoas heroínas, que são consideradas como uma droga para essa sociedade opressora, estão por ai gritando a todos os cantos:

“Parem de falar de amor, dos bons costumes, da família tradicional. Vocês são mesquinhos, egoístas, soberbos, já estão mortos. Pois quem segrega, morre. Quem invisibiliza, morre. E é totalmente incompreensível falar de amor e a preservação do mesmo, já que você é aquele que mata, já que você é aquele que agride.”

Pessoas heroínas estão por aí,vestindo suas mascaras como disfarce de sua verdadeira identidade para tentar sobreviver.

Pessoas heroínas estão por aí, resistindo, sangrando, mas ainda assim caminhando.

Pessoas heroínas, dentre elas, minha mãe! Que me subverteu, me reeducou, me trouxe para o outro lado da trincheira, o lado real da dor, dos oprimidos, de quem realmente sofre e de quem realmente merece ser reconhecido e proclamado como pessoa heroína. E foi assim:

Com toda sua ginga, me ensinou que tenho que me movimentar contra qualquer tipo de opressão.

Com sua capoeira, me ensinou que eu preciso lutar, dia após dia, incansavelmente….

Com sua mandinga, me subverteu, fez o impossível, o audacioso, me colocou como contra ponto rebelde e caótico ao mundo dos opressores.

Com sua coroa de raiz nagô, me lembrou da importância de saber que sim, que nossa história é linda, que preciso olhar sempre pra trás para poder seguir em frente, que preciso ouvir, principalmente, quem era pra estar usando a mesma coroa e não colecionando cicatrizes.

Pessoas heroínas são aquelas esquecidas, marginalizadas, oprimidas e que ainda sim, trilham e compõe uma história linda de resistência. Pessoas heroínas estão gritando nesse exato momento, um grito de existência, de persistência e de esperança.

Para o outro lado da trincheira, para quem promove guerras, sangue e carnificina; para quem oprime, para quem segrega, eu reforço os gritos dizendo:

Sim! Uma heroína me salvou dessa droga de vida.
O Lucas está desenvolvendo uma HQ junto com dois amigos baseada nesse texto. Vamos esperar enquanto eles desenvolvem. O trabalho é uma parceria dois amigos:

Matheus Pintor é estudante de História, escritor e desenhista nas horas vagas. Atualmente preso entre Rio-São Paulo, sendo confundido como mineiro em ambos os estados. Nunca foi pra Minas. E sim, é Pintor mesmo, tipo o de parede.

Ícaro Maciel é desenhista, quadrinista e acadêmico de design gráfico na ULBRA. A partir 1998 fez diversos cursos com Daniel HDR aperfeiçoando seu traço e já publicou na Revista TexBR, atualmente está produzindo uma HQ para a Revista do Peryc de Denilson Reis, com o qual tem colaborado, ilustrando fanzines como o Quadrante Sul. Participou de um projeto que envolve charges para uma promoção cultural do ENADE.

 

 

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