Era do rádio particular – por Cidinha da Silva

 

Minha era do rádio durou da infância aos primeiros anos da juventude, já em São Paulo. Em Belo Horizonte duas estações me formaram, Inconfidência FM, a Brasileiríssima, e Alvorada FM. Ali apurei o ouvido e o gosto musical. Ali conheci samba de primeira linha, Jazz, música erudita e chorinho, a música dos deuses.

Nas estações de rádio AM, preferidas de minha mãe, também ouvia música boa: Clara Nunes, Elizeth, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Angela Maria, Jamelão, Agepê, Martinho da Vila, Beth Carvalho, a queridíssima Alcione, Roberto Ribeiro e um pouquinho ainda do Trio Esperança e do Trio Mocotó. Ouvia muita valsa e bolero. E minha mãe cantava tudo o que a encantava, com voz bonita e afinada.

Tinha também os impagáveis programas policiais da Glória Lopes, que iam dos tenebrosos crimes do esquadrão da morte, atuante nas periferias da cidade, aos casos hilários dos bêbados e maridos infiéis perseguidos pela Loira do Bonfim, fantasma residente no Cemitério da Saudade.

Belo Horizonte, Velhorizonte, Belzebuzonte! Horizonte para todo gosto. Cidade pródiga em conservar o velho e fossilizar o novo. Ainda hoje, quando ligo o rádio nos dezembros chuvosos que passo por lá, sintonizo as estações do passado e encontro os mesmos programas e os mesmos radialistas de 30 anos. Só mudam quando morrem e não duvidarei do dia em que fizerem programas psicofônicos.

A crônica esportiva é uma fábula. Não pensem, vocês do Rio e de São Paulo, que Alexandre Kallil, presidente do Atlético Mineiro, campeão das Américas, seja peça rara. Não é não! Aquele bairrismo arraigado e atroz, o fanatismo, tudo isso está presente no rádio mineiro, como de resto, na cidade.

Contam que nos anos 50 ou 60 havia um juiz de futebol, torcedor doente do Galo, que quando a bola saía de campo, chutada por um adversário do Atlético, ele apitava, virava-se para o jogador alvinegro mais próximo e ordenava: “Vamo, meu filho, vamo! Bola nossa, bola nossa, bate logo o lateral”. Frase célebre de um cronista de Belo Horizonte diz que atleticano torce até contra o vento, se a camisa do Galo estiver secando no varal.

O comentarista esportivo moderno, isento, constitui figura novíssima e escassa no rádio mineiro. O que predomina são os comentaristas apaixonados, que mal disfarçam a predileção por um time e, declaradamente, descaradamente, torcem por Minas, enaltecem Minas no cenário nacional.

O rádio é uma recordação muito boa e feliz. E agora, graças ao programa “À beira da palavra”, inscrevi meu nome na história das rádios educativas de São Paulo e do Brasil. Não lembro exatamente o que falei, penso que a concentração exigida pelo veículo e por meus ágeis entrevistadores embotou minha memória. A única lembrança nítida foi a resposta à pergunta sobre futebol / literatura.

Na literatura, em que posição jogo? No ataque ou na defesa? Em nenhuma das duas, respondi. Eu gosto do meio, gosto de armar o jogo. Não adianta ser Romário ou Reinaldo, se não houver Sócrates, Cerezo, Falcão, Zidane, Didi, Júnior que era lateral, mas dava tratos à bola como meio-campista genuíno e passava-a redonda aos atacantes.

E como literatura é um jogo jogado junto, meu barato é armar, pôr a bola para rolar e deixar meus leitores e leitoras na cara do gol.

 

 

+ sobre o tema

O Estado emerge

Mais uma vez, em quatro anos, a relevância do...

Extremo climático no Brasil joga luz sobre anomalias no planeta, diz ONU

As inundações no Rio Grande do Sul são um...

IR 2024: a um mês do prazo final, mais da metade ainda não entregou a declaração

O prazo para entrega da declaração do Imposto de Renda...

Mulheres em cargos de liderança ganham 78% do salário dos homens na mesma função

As mulheres ainda são minoria nos cargos de liderança...

para lembrar

Os jornalistas tucanos, por Marcos Coimbra

Quando, no futuro, for escrita a crônica das...

Lula quer novo reajuste para o Bolsa Família

Fonte: Rede Pró - Brasil - O governo...

Vilma Reis: “Os lugares mais privilegiados estão sob controle da ‘branquitude’”

Fonte: A Tarde - Leia trechos inéditos da entrevista...

Eleições presidenciais 2014: mulheres e negros serão decisivos

O Instituto Patrícia Galvão disponibiliza a partir de agora...

‘O 25 de abril começou em África’

No cinquentenário da Revolução dos Cravos, é importante destacar as raízes africanas do movimento que culminou na queda da ditadura em Portugal. O 25 de abril...

IBGE: número de domicílios com pessoas em insegurança alimentar grave em SP cresce 37% em 5 anos e passa de 500 mil famílias

O número de domicílios com pessoas em insegurança alimentar grave no estado de São Paulo aumentou 37% em cinco anos, segundo dados do Instituto...

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação de desnutrição aguda, a ONU alerta que o mundo dificilmente atingirá a meta estabelecida no...
-+=