Coletivo feminista TamoJuntas presta auxílio à mulheres vítimas de violência

 Um coletivo dedicado a atender mulheres vítimas de violência com sede em Salvador, na Bahia, está dando o que falar. O TamoJuntas nasceu em abril desse ano, a partir do desejo de três advogadas – na sequência, mais uma se uniu ao grupo – de prestar auxílio às vítimas de violência do ponto de vista jurídico. Segundo Laina Crisóstomo, advogada feminista negra, atualmente presidenta da organização TamoJuntas, a iniciativa deu certo e aumentou de tamanho, diversificando até mesmo o tipo de assessoria. “Atualmente já somos seis advogadas, quatro psicólogas e quatro assistentes sociais. A gente começou a partir de uma perspectiva jurídica, mas a gente ampliou isso entendendo que essas mulheres vítimas de violência precisam, na verdade, ter além de uma escuta social. Precisam também ter uma acompanhamento multidisciplinar”, explica Laina.

por Maria Teresa Cruz, do Ondda

A ONG funciona em uma sede emprestada em Salvador, mas tem multiplicadores em outros estados. De abril até agora, a TamoJuntas já solucionou mais de 1000 dúvidas nos canais de comunicação – whatsapp, e-mail e página do Facebook – e prestou mais de 100 atendimentos presenciais, ou seja, situações em que foi necessário prestar assessoria jurídica e outros acompanhamentos às vítimas. Atualmente, a organização acompanha 50 processos, lembrando que, às vezes, há mulheres que têm mais de uma ação contra o agressor correndo ao mesmo tempo.

Todo o atendimento da TamoJuntas é gratuito e Laina explica que o que conseguiram de financiamento até agora é para ações ou projetos específicos: “A gente aprovou um projeto a partir de uma parceria para financiar um evento que a gente faz uma vez por mês que é o mutirão de atendimento da lei Maria da Penha”. O evento inclui a formação da consciência de combate à violência de gênero.  “Formamos uma mesa inicial para debater sobre um tema, por exemplo, esse mês é saúde e violência contra a mulher, no mês passado a gente falou sobre violência contra as mulheres lésbicas, trans e travestis. No mês de agosto, foi a vez de discutir os dez anos da lei Maria da Penha”, explica Laina Crisóstomo. O coletivo está agora pleiteando mais um financiamento para ministrar uma série de cursos. “Mas com relação ao atendimento mesmo, a gente não recebe absolutamente nada, a gente atua de forma gratuita mesmo”. A Ordem dos Advogados do Brasil reconhece o trabalho desenvolvido por ser pro bono, ou seja,  voltado para pessoas que realmente não têm condições financeiras de pagar.

Abusadores x Vítimas

Assim como a história das vítimas diverge bastante, Laina Crisóstomo esclarece que é difícil traçar exatamente um perfil de agressor de mulher. Ela alerta para a dificuldade inicial de percepção da violência pelas mulheres.  “É muito sério pra nós a questão da violência sexual. Existe uma resistência muito grande da mulher em admitir que foi estuprada pelo companheiro. E isso é muito grave, porque dá a entender que o corpo da mulher não é dela, é do marido, então ele tem direito. Algo como ela ter obrigação de servir ao homem. E aí isso pra gente é muito grave”, explica.

Baseada nos casos que a ONG já atendeu, Laina afirma que existe um comportamento que se repete no chamado agressor comum: ele agride primeiro verbalmente, faz ameaças, até chegar as vias de fato. “A gente consegue perceber que praticamente 100% dos casos que chegam a Justiça são de mulheres que sofreram também a violência física. Eu lembro apenas de dois casos que a gente atendeu que era violência psicológica o preponderante”, disse.

Contudo, afirma que há variações e é possível perceber as diferenças entre o agressor normal, que a própria lei Maira da Penha entende como um agressor previsível,  e o que tem um quadro diagnosticado de psicopatia. “A gente tem o sujeito que cria o ciclo da violência, ou seja, dá o grito, bate bastante e aí tem a lua de mel, o suposto arrependimento. Pouco tempo depois a situação se repete, e se repete, e assim vai. E tem a ação do psicopata, que bate sistematicamente, eles são totalmente loucos, desequilibrados,  agridem o tempo todo,  mas planejam o lugar onde vão agredir, calculam que devem bater na cabeça, em algum lugar do corpo que ninguém vai ver”, diferencia.

Como um espelho

A empatia das mulheres que atuam no TamoJuntas é, certamente, um elemento para confirmar o sucesso da organização. Para a advogada Laina Crisóstomo, é difícil dizer que alguma mulher nunca tenha sofrido nenhum tipo de violência considerando o machismo sustentado pelo patriarcado. “Para quem não tinha essa percepção, começar a ouvir as histórias nos deu a dimensão de que todas nós já vivemos, por exemplo, um relacionamento abusivo e nem nos dávamos conta. Isso é uma coisa que faz a gente ter mais vontade ainda de atuar nessa perspectiva voluntária, em prol de uma sociedade mais justa, mais equânime”, conclui.

Quer entrar em contato? www.tamojuntas.org.br

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