Finados: Podia ser minha mãe, que loucura!

2 de Novembro era Finados | Eu parei em frente ao São Luiz do outro lado | E durante uma meia hora olhei um por um | E o que todas as Senhoras tinham em comum | A roupa humilde, a pele escura | O rosto abatido pela vida dura | Colocando flores sobre a sepultura | Podia ser a minha mãe, que loucura”

Racionais MC’s 

Foto: Gabriel Brito/Correio da Cidadania

Por Douglas Belchior  no Negro Belchior

Pobreza e religião caminham juntas desde sempre, ao menos para os fiéis, para os povos que compõem as igrejas. E a vida, e a morte, e a vida após a morte, encontram novos significados, quase sempre em busca do conforto diante da vida real. Poucos poetas retrataram tão bem a dura realidade das periferias brasileiras, como fizeram Racionais Mc’s. Entre a denúncia da realidade e a valorização da identidade negra e periférica, a busca incessante pela “fórmula mágica da paz”. E, em muitos versos, a pintura do quadro da dor e do sofrimento daquelas que ficam e que choram nos velórios diante do desespero da perda, quase sempre famílias negras, quase sempre mães pretas, pobres, mães de maio, de ontem e de hoje.

A morte é, como sabemos, a grande certeza da vida. E poderia sim, ser vista, entendida e significada de uma forma diferente como a temos. Uma morte decorrente de uma vida bem vivida, de uma vida de prazeres, de uma vida repleta de direitos e humanidade que chegasse ao seu fim como uma passagem natural, como o fim de um ciclo, com a menor dor possível, com dignidade e cuidados.

A morte poderia ser, em regra, uma experiência que deixasse na consciência dos que ficam, o acalanto do “Viveu uma vida plena e foi feliz” ou do “fiz tudo que podia ter feito”. O dia de Finados poderia ser momento de saudades apenas. Dia de uma tristeza dorida, mas suave, branda… Mas não! Não é essa a relação que temos com a morte. A vida real do povo mais pobre, da população que ocupa as periferias e do povo negro jamais ofereceu condições para a oferta das chamadas mortes naturais, da “morte morrida”.

A escravidão, as ditaduras e as falsas experiências de democracia, nos deixou marcas profundas em que a morte sempre esteve relacionada ao castigo, à dor, ao sofrimento, à tortura, à chacina e muitas vezes, a morte sem corpo, sem velório e sem o direito sagrado da despedida. Para os pobres e principalmente para a população negra, a dor é propositada, prevista. E a condição é precarizada, injusta. E a vida interrompida, encurtada. E a morte prematura, premeditada, naturalizada.

 

Segundo o mapa da violência 2016, o Brasil segue batendo recordes nos números de homicídios. Já são em média 57 mil assassinatos ao ano. A realidade da violência racial se perpetua. O número de pessoas negras mortas por arma de fogo são 2,6 vezes maior que a de não negros. A taxa de homicídios de negros aumentou 9,9% entre 2003 e 2014, passando de 24,9% para 27,4%. Pela pesquisa, a vitimização negra do país, que em 2003 era de 71,7%, mais que duplicou: em 2014 alcançou 158,9%. Mulheres negras também são alvo prioritário da violência e da morte. Os índices de assassinatos aumentaram 54% em dez anos no Brasil, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu 9,8%.

Sim, a violência em nosso país é generalizada. Há muita violência civil. Mas é preciso destacar o papel do Estado e de suas polícias que, ao contrário de proteger a vida, promovem a morte. Sob comando de governos do PSDB, a polícia de São Paulo matou mais de 11 mil pessoas nos últimos 20 anos. Com Geraldo Alckmin no comando, a cada ano a PM mata mais.

Em meio ao aumento da violência e dos assassinatos cometidos por policiais, o governo Alckmin passou a omitir e maquiar informações. Apesar disso, de acordo com dados da SSP, o Estado registrou 532 mortes por intervenção de PMs em serviço entre janeiro e novembro de 2015. O número é superior às 495 mortes de 2006, ano marcado por confrontos entre a polícia e o PCC. Em todo o ano de 2015, a polícia matou 412 pessoas só na capital do Estado.

PM SUSPEITA PELO DESAPARECIMENTO DE 5 JOVENS NA ZONA LESTE DE SP

O escândalo do momento é o desaparecimento de 5 jovens na Zona Leste de São Paulo. Desde a sexta-feira, 21 de Outubro, familiares de quatro rapazes, entre 16 e 19 anos, e de um motorista, contratado por eles, vivem a aflição de não terem notícia alguma sobre o grupo. Os amigos Jonathan, Caíque, César e Robson, todos da zona leste de São Paulo, estavam a caminho de uma chácara, onde marcaram de se encontrar com algumas jovens que conheceram pelas redes sociais. Para levá-los até lá, haviam contratado um colega conhecido como “Síndico”.

A última informação que as famílias dizem ter a respeito do desaparecimento é um áudio que Jonathan mandou para uma amiga dizendo que havia sido parado pela polícia naquele dia: “Ei, tio. Acabo de tomar um enquadro ali. Os polícia tá me esculachando”. O carro dos jovens foi localizado, alguns dias depois, abandonado e vazio.

Como pode cinco pessoas sumirem e ninguém ver nada? A Polícia de SP teria produzido “5 novos Amarildos”?

Neste 2 de novembro, feriado de finados, respeitemos a dor de todas as cores, mas lembremos que há, neste grande cemitério chamado Brasil, a permanência da desigualdade também na distribuição das covas ou, nas palavras de João Cabral de Melo Neto, da cova medida, a parte que nos cabe nesse latifúndio. E nossa angústia cantada…

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