Sobre Chimamanda Ngozi, feminismo e maquiagem

Escritora, esteta, feminista, a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie nos presenteia mais uma vez com sua prosa sutil, mas aguda, sobre nossa experiência como mulheres hoje. Até parece blábláblá acadêmico, mas não é.

Por Gabriela Cavalheiro, do HuffPost Brasil

Adichie agora é embaixadora da nova campanha de beleza da marca de cosméticos inglesa No7, uma gigante no mercado britânico. Não só isso, Adichie também teve primeiro lugar na fila do ultimo show da Dior, sendo celebrada pela estilista Maria Grazia Chiuri, em camiseta que diziam We Should All be Feminists (“Sejamos todos feministas”). Chiuri é primeira mulher a assumir a posição de designer da marca francesa em setenta anos.

Pra entender o lugar de Adichie no contexto contemporâneo, pense na sua famosa cogitação filosófica “Sejamos todos feministas”, caso não se lembre de ter escutado Beyoncé recitar partes da sua fala numa de suas musicas, ou a sua fala no TED, e tudo ficará mais claro. Ou procure um de seus premiados romances, Americanah, Hibisco Roxo, entre outros.

Amante fervorosa das artes em geral e com um especial apreço pelo segmento da moda, Adichie sempre reforça sua defesa de que, quebrando estereótipos, uma intelectual, escritora como ela por exemplo, não pode naturalmente gostar de moda, maquiagem salto alto, enfim, todos aqueles traços tipicamente femininos que no nosso imaginário aprendemos a desconectar de mulheres envolvidas na política, Academia, etc. Em inúmeras publicações, Adichie é aclamada em artigos que questionam “Porque uma mulher inteligente não pode gostar de moda?”, como no texto homônimo escrito por ela mesma para a Elle em fevereiro de 2014.

Parece ate um clichê batido, não parece? Mas infelizmente não é. Como acadêmica (ou intelectual?), estou mais do que acostumada a ouvir murmurinhos ou olhares em eventos, em especial no Brasil, de colegas que questionam (às vezes com deboche) não apenas meu gosto sartorial, mas meu interesse declarado e celebrado por moda e comportamento cotidiano, que eu tento esparramar em textos por aqui. Não se trata de questionar meu “gosto”, mas sim da dificuldade tremenda de entenderem que ambos interesses não são auto-excludentes. O mais curioso é que, como historiadora cultural e crítica literária, esbarro em colegas que também trabalham com temas considerados pouco acadêmicos, como quadrinhos ou a inesgotável produção de filmes de super-herois pela indústria do cinema, e são esses os que mais empurram olhares esquisitos pra quem se declara interessado ou apaixonado por moda, por exemplo.

A resistência é enorme, não vou mentir, mas não é unanime. Quando Adichie, escritora, ativista, intelectual, aparece como “new face” (vamos usar o jargão da indústria) da No7, só mostra que a resistência pode ser combatida da forma mais bela, dinâmica e delicada possível. Por conta do meu trabalho, eu circulo pelo meio acadêmico inglês ha cinco anos e lá, apesar dos focos de desinteresse e pouca credibilidade, a resistência a mulheres do meio que também se declaram interessadas em moda e afins, seja pelo uso sartorial ou pelo trabalho. O mais curioso e, confesso, triste, é ver colegas de trabalho, também mulheres, como parte dessa resistência e desse discurso enrijecido que, vamos lá, já esta mais do que ultrapassado!

Então queremos e precisamos de mais mulheres como Adichie e Zadie Smith, capa da ultima edição da revista inglesa The Gentlewoman, e que venham mais intelectuais, acadêmicas, escritoras, cientistas, mulheres que nos fazem pensar e nos colocam na realidade do que podemos conquistar de forma inspiradora e verdadeira.

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