Casamentos de menores desafiam autoridades alemãs

Matrimônios precoces são fim abrupto da infância e violação dos direitos infantis. Seu total mundial reduziu-se, mas as cifras seguem alarmantes. Na Alemanha uma lei recente para coibi-los apresenta resultados modestos.

Por Kersten Knipp, no DW

Getty Images

A intenção era boa: quando a Lei para Combate de Matrimônios de Menores de Idade entrou em vigor em 2017, pareciam boas as chances de proteger as pessoas com menos de 18 anos de um casamento forçado. Ela estabelece essa idade como a mínima para se casar na Alemanha, sem exceções.

Além disso, podem ser anulados por um juiz os matrimônios, contraídos antes da implementação da norma ou no exterior, em que um dos cônjuges tenha 16 ou 17 anos. Para os menores de 16 anos, a união é automaticamente nula, sem necessidade de decisão judicial.

No entanto o impacto real é restrito, como mostra um estudo da organização pelos direitos femininos Terre des Femmes. Segundo ele, nestes dois anos registraram-se pelo menos 813 casamentos de menores no país, mas apenas dez deles foram anulados.

Foi muito difícil estabelecer essa estatística, revela Monika Michell, encarregada do setor “violência em nome da honra” na ONG. Em alguns estados alemães, não há nenhum departamento central responsável, sendo as competências distribuídas entre diversas cidades ou municípios.

Dentro destes, por outro lado, foi extremamente difícil identificar as repartições encarregadas, “por isso não conseguimos estabelecer cifras completas”. Michell supõe que o número de casos não registrados seja consideravelmente mais alto do que os conhecidos: “Partimos do princípio que todo fim de semana se realize um matrimônio precoce na Alemanha.”

O que as cifras deixam claro, ainda assim, é que a nova legislação foi aplicada de formas muito diversas pelos governos estaduais, observa a Terre des Femmes. Em alguns estados, só há uma repartição capaz de requerer a anulação de um casamento com um menor de idade. Em outros, vários órgãos partilham essa competência, de modo que muitas vezes as jurisdições não ficam claras. Em Berlim só se registraram três casos de matrimônio de menores, na Baviera, em contrapartida, foram 367.

Outra dificuldade é que raramente alguma das adolescentes afetadas toma iniciativa contra a situação, aponta Michell. “Elas próprias em geral não percebem o casamento como uma imposição, pois não conhecem outra realidade. Muitas cresceram com esse fenômeno ou inicialmente sentiram o casamento como uma proteção, numa determinada situação.”

E, no entanto, uma união precoce pode ter sérias consequências para uma menor de idade: “A probabilidade de uma gravidez na adolescência é maior. As afetadas estão arriscadas a ter que interromper os estudos, perdendo, assim, qualquer perspectiva de longo prazo.”

Problema global

No nível mundial, o número dos matrimônios precoces tem diminuído. Segundo pesquisa divulgada na sexta-feira (20/09) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a parcela das menores de 18 anos casadas caiu de 25%, na década anterior, para 21%.

Do total de 765 milhões que se casaram antes da maioridade, 650 milhões são meninas. Cerca de 115 milhões de homens atualmente entre os 20 e 24 anos eram menores de idade no ato de união; mais de um quinto deles contava 15 anos ou menos.

“Um casamento precoce significa o súbito fim da infância e uma violação dos direitos infantis”, explicou em Nova York a diretora-executiva do Unicef, Henrietta Fore. Os maridos infantis são coagidos a assumir responsabilidades de um adulto, muitas vezes envolvendo também a paternidade, o que gera pressão ainda maior para sustentar a família. Entre as meninas, cerca de 12 milhões se casam a cada ano, em todo o mundo; até 2030 seu total deverá ter se acrescido de 150 milhões.

Consequências punitivas para a esposa

Com a lei de 2017, lançou-se na Alemanha uma base fundamentalmente sólida para combater os matrimônios precoces, confirma Monika Michell. Agora a questão é garantir a transparência: cada estado alemão deveria ter um único órgão encarregado, “e os casos também têm que chegar até ele”.

“Pois só assim se evita que passe um tempo desnecessário até as autoridades intervirem, quando os atingidos já tenham atingido a maioridade. Aí, a responsabilidade de tomar uma iniciativa cabe a eles”, e são poucos os que têm coragem para tal, constata a funcionária da Terre des Femmes.

Esse é também um dos motivos por que, desde a entrada em vigor da nova lei, apenas dez casamentos de menores foram anulados na Alemanha. Outro entrave é o direito de livre circulação dentro da União Europeia. Como explica Michell, muitas vezes o direito da mulher depende de seu status de casada.

“Portanto se o marido tem um posto de trabalho na Alemanha, é ele que possui o direito de livre circulação. Se o casamento é anulado, a esposa pode perder seu direito de permanência, pois, via de regra, ainda não ganha dinheiro nem tem um emprego.”

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