Onde estão nossos médicos negros? A história de um filho e neto de escravizados que se tornou médico

Quantos vezes você já se consultou com um médico negro? Uma visita as fotos de formatura nas paredes dos cursos de Medicina no Brasil é mais uma evidência do racismo estrutural, um dos legados da escravidão por aqui. 

Por Alexandra Lima da Silva, enviado para o Portal Geledés 

(Créditos da imagem: Jornal A Imprensa, 19/08/1913)

Num país em que a maioria da população se autodeclara negra, é violento e doloroso constatar que o direito a uma formação para salvar vidas é também um privilégio, assim como o direito de viver. 

Neste país de maioria negra, a existência de médicos negros acaba se tornando uma exceção, quando deveria ser a regra. Por isso, é importante dar visibilidade a experiência de médicos negros no Brasil, e compreender as estratégias de enfrentamento do racismo empreendidas por tais sujeitos. 

Israel Antônio Soares Junior tinha acabado de se formar médico, quando, faleceu aos 26 anos, deixando esposa e três filhas. 

A morte do jovem médico gerou forte comoção nos jornais cariocas em agosto de 1913. No anúncio da missa de sétimo dia pelo falecimento de Israel Soares Jr, a foto estampada no jornal A Imprensa de 1913 traz um homem negro de pele escura, de óculos e beca. Esta era a foto da formatura no curso de medicina.

Quando Israel Antônio Soares Junior nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1886, seus pais, Israel Soares e Antônia Botelho Soares já tinham conquistado a liberdade por meio de auto compra da alforria.  Os avós paternos de Israel Júnior eram os africanos. Luíza, a avó paterna, era preta mina e com o esforço do próprio trabalho como quitandeira, comprou a alforria. Diferente da mãe, que era muçulmana, Israel Soares era católico e pertencia a irmandade religiosa da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. Israel Soares, o pai de Israel Júnior, esteve a frente de uma escola noturna para escravizados e libertos em São Cristóvão e fez parte do movimento abolicionista carioca. 

Com o apoio da família e da comunidade negra do Rio de Janeiro no início da República, Israel Soares Júnior estudou Farmácia, e após, concluir este curso, ingressou na Faculdade de Medicina. Recém-formado, abriu um consultório em São Cristóvão. Provavelmente, tinha o projeto de retribuir à comunidade que contribuiu para que um homem negro, jovem, filho e neto de escravizados, pudesse romper com as correntes do racismo estrutural e salvar as vidas. Mesmo com a ausência de políticas públicas de reparação da dívida histórica da escravidão, sujeitos como Israel Soares Junior, por meio da educação e do esforço familiar e comunitário, ousaram cantar as letras da liberdade. 

 

*Alexandra Lima da Silva é doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 

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