“Ela me acusou de roubar seu equipamento de exercícios”

Quando morei em São Paulo, entre 2003-2004, vivi em um prédio no alto do Morumbi, perto do meu trabalho. Minha vizinha do outro lado do corredor exigiu que eu usasse o elevador de serviços. Ela repetidamente reclamava da minha presença no prédio e dizia que eu não podia usar a piscina para não sujá-la. Em outra ocasião, ela me acusou de roubar seu equipamento de exercícios (tínhamos um tapete de ioga idêntico) e seu laptop. Embora soubesse que eu era dos EUA, ela se referia a mim como “aquela vagabunda que fala espanhol”. Meus colegas de quarto, americanos brancos, eram tratados bem. Em outra ocasião, quando recebi alguns amigos negros brasileiros, ela ameaçou chamar a polícia por achar que éramos criminosos.

Esta não foi a primeira vez que me disseram para usar o elevador de serviço. Em muitos momentos, fui confundida com uma doméstica e me pediram para não entrar no elevador.

Em 2003, fui assaltada com uma arma na rua. Apresentei um Boletim de Ocorrência à Polícia porque tinha alguns documentos importantes e bilhetes de avião comigo. Na delegacia, me perguntaram qual era a cor da pele dos agressores e eu disse que era parecida com a minha. O policial anotou pardo e começou a comentar sobre “comportamentos criminosos” de pardos e pretos.

Em outros momentos, como em 2011, ao ser convidada para uma festa, quando cheguei ao local fui informada de que eu estava no endereço errado. O casal de brasileiros que negou minha entrada disse ao meu amigo americano que achavam que era uma festa com “gente fina”. Quando souberam que eu era americana, simplesmente disseram que presumiam que todos os convidados seriam brancos. No mesmo ano, um dos meus amigos negros brasileiros foi impedido de entrar em uma festa realizada em um bar de Moema. Só depois de falar em inglês, ele conseguiu entrar.

Depois de um jogo de futebol fora do estádio do São Paulo, um dos meus amigos negro brasileiro foi encurralado contra a parede sob a mira de uma arma pela polícia junto com outros homens negros. Quando tentei intervir, um dos policiais gritou comigo e me disse que eu mesma “poderia compensar” se eu entrasse na viatura. Ele disse isso enquanto apontava para suas partes íntimas. 

Foram várias ocasiões, de 2004 a 2016, em que fui considerada profissional do sexo ao me hospedar ou visitar hóspedes em hotéis no Rio de Janeiro e resorts de praia na Bahia. Em um caso, fui repreendida na presença de meu pai americano branco (com quem falava frequentemente e chamava de pai). Quando meu namorado americano branco veio me visitar, foi dito em inglês, por brasileiros que não sabiam que eu era americana, que ele não deveria gastar muito dinheiro comigo, pois ele poderia encontrar alguém mais barato. Também fui sujeita a comentários sexuais frequentes. Quando estou com amigas negras brasileiras, me perguntam, sem brincadeira, se há desconto.

A campanha “13 de Maio: Comemorar o quê?” é uma iniciativa de colaboração entre US Network for Democracy in Brazil, Geledés Instituto da Mulher Negra e Afro-Brazilian Alliance (ABA) e tem como objetivo reafirmar a data da abolição da escravatura no Brasil como Dia Nacional de Luta contra o Racismo, como demarcado pelo movimento negro, já que a Lei Áurea não garantiu o pleno acesso aos direitos e à igualdade para a população negra – a qual vem enfrentando profundas desigualdades desde então.

Jasmine Mitchell é PhD em Estudos Americanos pelo Williams College e Professora Associada de Estudos Americanos e Estudos de Mídia pela State University of New York – Old Westbury. Seus temas de pesquisa são representação de raça e gênero na cultura popular, miscigenação, estudos afro-estadunidenses e afro-brasileiros, feminismo negro, raça e esporte.

 

 

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