Como continua se sentindo uma mulher, por claudia regina

A fotógrafa claudia regina compartilha o relato de uma agressão.

“recentemente sofri um assédio sexual. fazia tempo que o pior que me acontecia eram as constantes cantadas de rua (que já são assédio suficiente, diga-se de passagem). eu estava fazendo um pagamento de um serviço e o senhor que me atendia veio pegar em mim. estávamos sozinhos na sala, e ele primeiro ficou encostando no meu corpo perguntando porque não estava bronzeada. dei o benefício da dúvida, me afastei e me fechei. depois, puxou minha blusa para olhar meus peitos, dizendo “puxa, que bonita sua tatuagem, tem outra em outro lugar?”

surreal. mas aconteceu.

e sabe qual a primeira coisa que pensei? “eu não devia estar com uma blusa tão decotada” e “eu fico aí exibindo a minha tatuagem, dá nisso”. fiquei com vergonha. queria me esconder.

levei alguns minutos queimando neorônios para lembrar: “ei. PERA LÁ. quem tem que ficar com vergonha é ele! por que estou me culpando?”

eu. feminazi até os ossos, estava com vergonha de ter sido assediada. estava culpando a minha blusa que era muito decotada ou minha tatuagem que dava abertura (esqueci, como eu mesma já escrevi, que não é preciso provocar para sofrer assédio: posso ser uma criança de calça jeans e camiseta, e vai acontecer também)

demorei, mas dei nome aos bois. falei que foi assédio. falei que ia denunciar.

(não denunciei, e disso me arrependo.)

quando a gente fala de assédios como estes (e isso inclui os babacas do metrô), o primeiro passo muitas vezes é nos convencermos que foi assédio mesmo. o segundo passo é gritar. não precisamos ser a vítima pra gritar: é só prestar atenção e podemos gritar por aquela mulher ao nosso lado que está sendo assediada e não teve coragem. depois, vem a denúncia. depois, a punição.

a punição é complicada pois é a única que não depende só de nós. nem sempre dá pra confiar nas autoridades. mas os três primeiros já podem ser um bom começo para que o agressor perceba que o que ele está fazendo não é nem um pouquinho aceitável.

– mulheres, vamos nos lembrar sempre disso: A CULPA NÃO É NOSSA!

– mulheres e homens, vamos tentar ajudar: viu um assédio? cantada inadequada? GRITE. chame de pervertido, escroto, babaca, pra TODO mundo ouvir. as mulheres ficam com vergonha, mas quem devia ficar com vergonha é o agressor.

existem várias coisas que a gente pode falar ao ler um relato de abuso ou assédio sexual. dá pra nos indignarmos em conjunto, dá pra contarmos nossas histórias e analisar os motivos para essas coisas acontecerem.

mas sabe uma coisa que não é legal? falar o que a mulher “deveria ter feito” ou o que “eu teria feito”.

sim, tem várias coisas que a gente poderia ter feito. se xingou, poderia ter denunciado. se denunciou, poderia ter dado com a mão na cara. se não fez nada e só percebeu o abuso muito tempo depois, poderia ter percebido mais cedo.

minha queria amiga patricia borbolla comentou:

“eu vivia pensando ‘se é comigo eu viro a mão na cara do manolo’. até que um dia, foi comigo. e eu só consegui me abraçar e ir embora, pensando pq infernos meus peitos chamam atenção, porque eu não estava com outra roupa e etc. aí o sentimento de violação é pior”

a gente nunca sabe o que a gente realmente teria feito. a gente nunca sabe quais processos levaram aquela pessoa (que não é a gente) a fazer exatamente o que ela fez.

falar o que a vítima “devia ter feito” é, de novo, colocá-la no papel de responsável.

mais empatia, por favor.”

* * *

sobre esse mesmo assunto, claudia regina já escreveu um dos textos mais lidos da internet brasileira: como se sente uma mulher

conheça também seu site claudiaregina.com

Fonte: Revista Fórum

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