A ira justa do goleiro Aranha e de um anônimo negro contra o racismo cotidiano. O que Danilo Gentili, um juiz e Luciano Huck tem a ver com isso

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Quando parte da torcida do Grêmio encheu a boca, em Porto Alegre na quinta-feira (28/08), para chamar o negro goleiro do Santos de “macaco”, apareceu um herói, o próprio alvo dos xingamentos, para vingar os tantos humilhados pelo racismo.

Com a ira santa dos justos, Mário Lúcio Duarte Costa, de 33 anos, o Aranha, gesticulou e gritou furioso contra a turba infame, e deixou bem claro o orgulho da pele colorida, a mesma de seus ancestrais africanos.

Ao menos uma criminosa, Patricia Moreira, moradora em Porto Alegre, já foi identificada, filmada enquanto insultava o goleiro:

“Ma-ca-coooo!”.

A meliante já perdeu o emprego como auxiliar de saúde bucal no Centro Médico Odontológico da Brigada Militar. Deverá responder a processo criminal por injúria racial, crime sujeito a pena de um a três anos de reclusão, com multa.

A defesa de Patrícia certamente dirá que tudo não passou de uma “brincadeira”, que ela não fez mais do que repetir o que lhe ensinaram algumas celebridades (às vezes até com o aval da Justiça, como se verá).

O humorista Danilo Gentili, com milhões de seguidores do Twitter, não defendeu publicamente seu direito de ofender negros, chamando-os de “macacos”?

“Alguém pode me dar uma explicação razoável por que posso chamar gay de veado, gordo de baleia, branco de lagartixa, mas nunca um negro de macaco?”

O mesmo Gentili não teve, depois, a ousadia de oferecer bananas a um jovem ativista negro, o redator Thiago Ribeiro, que o acusou de racista?

“Sério @LasombraRibeiro [Thiago Ribeiro] vamos esquecer isso… Quantas bananas vc quer pra deixar essa história pra lá?”

Isso pode?

Não é difícil que Patrícia Moreira tenha ouvido falar da tentativa de Thiago Ribeiro de obter a condenação de Danilo Gentili. Talvez tenha visto também que um juiz, Marcelo Matias Pereira, da 10ª Vara Criminal da Justiça de São Paulo, absolveu Danilo Gentili do crime de injúria racial, por considerar que o comediante não teve “propósito e intenção de ofender a vítima”.

Ah, tá!

Ganha um exemplar do livro “Não Somos Racistas”, de Ali Kamel, diretor geral de jornalismo e esportes da TV Globo quem adivinhar a cor do juiz…. Não, não ganha não porque esta é fácil demais.

Nem é preciso dizer que a sentença do juiz branco deu ânimo para centenas de boçais e fãs de Gentili sentirem-se livres para extravasar seu ódio racista pelas redes sociais e seguirem repetindo os insultos, como se fossem brincadeira:

“Ma-ca-coooo!”

Que mal tem?

Tem muito mal. “Fiquei bem nervoso. Com o perdão da palavra, fiquei p… Isso dói. Não é possível. Bati no braço e disse que sou preto mesmo”, declarou Aranha logo depois de finalizada a partida.

Será que o juiz Marcelo Matias Pereira, que absolveu Danilo Gentili, sabe da responsabilidade que pode ter nesse episódio trágico?

Aranha tornou-se herói porque não fez a menor questão de ficar tranquilão diante da ofensa, porque não se fingiu de surdo, porque denunciou os agressores. Porque chutou o balde do racismo.

Ele não quis “ressignificar o xingamento”, como alegaram ter feito Daniel Alves, o jogador brasileiro atuando no Barcelona, quando comeu a banana que um torcedor racista jogou para ele.

Ele não deu chance para o mega-oportunista Luciano Huck vender camisetas de sua grife pessoal, a “Use Huck”, com uma estampa de banana e os dizeres “Somos todos macacos”.

Aliás, a defesa da racista do Grêmio também poderá alegar que ela não considera “macaco” um xingamento, já que ela mesma vê-se como um. “Como diria Luciano Huck, somos todos macacos”… Quem sabe, cola.

Aranha chegou a ser admoestado pelo árbitro da partida, Wilton Pereira Sampaio , que o acusou de estar “provocando a torcida adversária”.

Logo, outros atletas negros do Santos, como Arouca, David Braz e Robinho, cercaram o juiz para impedi-lo de, novamente, culpar a vítima pela violência que a oprime.

Coincidência mais linda, no mesmo dia, outro negro, anônimo, também distribuiu lições de humanidade contra o racismo.

Acusado de roubar uma loja no Salvador Shopping, da capital baiana, o jovem também não se intimidou e gritou para os seguranças: “Eu não roubei nada. Eu sou trabalhador, rapaz, não sou ladrão, não! Cadê o roubo? Mostre o roubo aqui.” E baixou as calças. Quase nu, demonstrou o fundo racista da acusação que sofria.

O shopping ficou paralisado, consumidores interromperam a correria entre as lojas para assistir à cena. E a massa foi ao delírio, com aplausos e gritos de apoio, quando percebeu a vitória moral do inocente enfrentando a perseguição.

Ainda do lado de fora, o homem continuou gritando com o segurança. “Só porque é negro, é negão, vai roubar. Vá se f…”. Mais aplausos.

Aranha estava furioso. O anônimo estava furioso. Eles colocaram os agressores no seu lugar. Zumbi estava neles.

Fonte: Yahoo

 

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