Por que razão o assassinato de 9 negros não é considerado um ato de terrorismo?

Por razão tantos dirigentes políticos e grande parte da comunicação social [norte-americana] tem medo de classificar o tiroteio ocorrido na Carolina do Sul de ato de terrorismo?

Por Amy Goodman, do Esquerda.net

Discutimos os padrões na cobertura de tiroteios realizados por agressores brancos com dois convidados: Anthea Butler, professora de religião e estudos africanos da Universidade da Pensilvânia; e Raphael Warnock, pastor da Igreja Batista Ebenezer, em Atlanta, Georgia; lar espiritual de Martin Luther King Jr.

Amy Goodman: Professora Butler acaba de escrever um artigo publicado pelo The Washington Post: “Atiradores negros são apelidados de ‘terroristas’ e ‘bandidos’. Por que razão os atiradores brancos são apelidados de doentes mentais?” Anthea Butler, poderia continuar a partir desse ponto? Fale sobre a questão de quem chamamos de terrorista e quem não chamamos.

Anthea Butler: A razão pela qual eu acredito que os brancos são sempre – e atiradores brancos, especialmente homens brancos – são sempre chamados de “doentes mentais” é que isso é uma leve parte do racismo estrutural nos Estados Unidos. Sempre que se ouve falar que um mulçumano fez ou é suspeito de fazer alguma coisa, ou um homem negro ou uma mulher negra, eles são sempre ‘terroristas’; é ‘atividade terrorista’; há palavras pejorativas que são usadas para descreve-los; eles são desumanizados.

Quando alguém branco faz alguma coisa no seu país, são absolvidos. Quando é a juventude branca, que é composta de homens como Dylann Roof, são apelidados de “miúdos”. São infantilizados. Um homem jovem como Trayvon Martin é chamado “jovem durão”. É um claro sinal da infraestrutura racista deste país, e parte disto tem que ver com a comunicação social, com estes retratos e a repetição constante de todos estes estereótipos raciais e religiosos que prejudicaram esse país.

Juan G.: No caso de Dylann Roof, isso tem sido particular. (…)vê-se uma situação em que está algemado, mas também tem um colete à prova de bala, do qual eu não me lembro ser a situação, por exemplo, do jovem responsável pelas bombas na maratona de Boston ou muitos outros incidentes que tivemos. Até mesmo a imagem dos acusados que a comunicação social tem permissão para ver é diferente.

Anthea Butler: Colocar-lhe o colete fê-lo parecer um tanto frágil, quando essa foi a mesma pessoa que estava num estudo bíblico num momento e depois fez aqueles disparos. Não há nada frágil no seu ato terrorista e no racismo cometido. (…) Está enraizado. É uma prática dos que aplicam a lei e da comunicação social neste país. E o que está a acontecer agora, e eu acho que isto é realmente importante enfatizar, é que o impacto da democratização, das pessoas terem comunicação social, câmara no telemóvel, sendo capazes de mostrar estas discrepâncias e as coisas de uma forma profundamente diferente, mudou a perceção no país, e as pessoas estão a começar a ver a verdade.

Amy Goodman: Na quinta, o apresentador da Fox News, Steve Doocy expressou incredibilidade de que o tiroteio em Charleston teria sido um crime de ódio. Ele, e o seu convidado, pastor E.W. Jackson sugeriram que o atirador atacou a histórica igreja negra e as suas visões bíblicas, não devido ao racismo:

E.W. JACKSON: Estou profundamente preocupado com o facto deste atirador ter escolhido ir a uma Igreja, porque isso passa a impressão de que existe um aumento da hostilidade contra os cristãos no país.
STEVE DOOCY: Mm-hmm.
E.W. JACKSON: — Por causa das nossas visões bíblicas.
STEVE DOOCY: (…) é porque era um miúdo branco, aparentemente, numa Igreja negra. Mas tocou num ponto interessante sobre a hostilidade aos cristãos. (…) 
E.W. JACKSON: Sim, sim. Eu não sei se a maioria das pessoas chega a esta conclusão sobre a questão racial. Eu espero pelo dia em que não teremos mais disso no nosso país. Mas nós não sabemos a razão pela qual foi à Igreja. Mas é facto que ele não escolheu um bar, ou um campo de basquete. Escolheu uma Igreja. 

AMY GOODMAN: Esta é a Fox. Dr. Raphael Warnock, esta questão do terrorismo doméstico e dos crimes de ódio – imediatamente o presidente da Câmara e o chefe da política de Charleston, ambos brancos, disseram que tinha sido um crime de ódio. Mas a verdade é que a Carolina do Sul é um dos cinco estados, junto com a Georgia, Wyoming e Indiana, que não possui leis específicas sobre crimes de ódio. Pode-nos falar sobre o que são estes crimes de ódio, e se os classifica como terrorismo, e o que isso significaria caso assim os classificássemos?

REV. RAPHAEL WARNOCK:  É claramente um crime de ódio. O próprio criminoso assim o definiu. Demonstrou. Vimos fotos dele no Facebook onde ostentava a bandeira de Rodésia, atual Zimbabwe, nos dias em que este era um Estado de supremacia branca, o velho apartheid sul-africano. Então nós sabemos algo sobre a ideologia deste homem.

Mas foi também um ato de terror, e que está historicamente ligado ao longo reinado de terror perpetrado contra as comunidades Afro-Americanas. Ele disse a um dos sobreviventes, “Sim, eu vou deixar-te sobreviver para contares a história.” Ora, temos que nos perguntar: o que é que esta história produz? Não sou um advogado. Mas será interessante ver como os advogados lidarão com o caso, como discutirão as questões técnicas, mas é claro que ninguém se está a preocupar com isto, parece-se, que isto é um ato de terror, cometido não porque estas pessoas eram cristãs, mas porque eram afro-americanos.

Ele disse ainda: “estás a violar as nossas mulheres, e a tomar o país”. Devemos nos perguntar de onde é que tirou esta ideia de “estarem a tomar o país”?

E a Fox News tem grande responsabilidade neste tipo de informação e discurso. Eles têm disseminado esta ideia de que “nós temos que tomar o nosso país de volta”. Este jovem de 21 anos, nascido no final dos anos 1990, faz-me lembrar o meu sobrinho. Alguém, no entanto, o ensinou a odiar.

E por isso temos que condenar os crimes de ódio, condenar este ato de terror, mas temos também que condenar este discurso que usualmente sugere que o nosso atual presidente é de algum lugar outro lugar que não o nosso país, que ele não seria um de “nós”.

Entrevista publicada em Democracy Now. Tradução por Carta Maior.

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.

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