Marcos morreu

Meu sonho era escrever um diário de como o jovem se reintegrava na sociedade. Não pude

Por MARÍA MARTÍN, do El Pais 

Conheci Marcos em uma unidade para reincidentes da Fundação CASA de São Paulo, o centro público que, no papel, recupera menores infratores. Eu fazia uma reportagem e ele, com 17 anos, estava pela terceira vez em uma cela por tráfico. Levava a pé uma caixa com drogas, embrulhada em papel de presente, quando foi parado e apreendido pela polícia. Era a isca perfeita para disfarçar a passagem de um carregamento maior.

Dentre todos os detentos na Fundação Casa, achei nele algo especial. Era inteligente, educado e lia muito. Quando lhe perguntei pelo hábito da leitura sua resposta me desconsertou: “Eu aprendi a gostar por osmose, senhora”. Os últimos livros que tinha lido – A culpa é das estrelas, de John Green, A menina que roubava livros, de Markus Zusak, e O caçador de pipas, de Khaled Hosseini – eram histórias de superação com crianças como protagonistas. Voltei mais duas vezes para visitá-lo, uma delas no Natal de 2014[leia aqui a reportagem]. Nenhum dos seus quatro irmãos foi visitá-lo. Muito menos a mãe, ex-presidiária e viciada em crack, cocaína e maconha, ou o pai, alcoólatra e visitante ocasional. Naquele dia, separados por realidades opostas mas ambos longe das nossas famílias, choramos como crianças. Falamos de livros, da infância dele no centro de São Paulo e dos planos que ele tinha ao sair do cárcere. Queria ser livre, mas não sabia muito bem como. Prometia mudar, mas a expressão do seu rosto se torcia quando lembrava do que lhe aguardava aqui fora: nada. Pedi para ele me ligar quando fosse liberado, eu tentaria ajudar.

 

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