Parto em pauta

Acredito que como eu, várias feministas ativistas da maternidade estejam felizes com a Resolução Normativa 368/2015, recentemente publicada pelo Ministério da Saúde em conjunto com a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), com o objetivo de estimular o parto normal.

Por Beatriz Beraldo  Do Blogueiras Feministas

A elaboração da Resolução Normativa contou com a participação de toda a sociedade, que teve oportunidade de enviar contribuições para a consulta pública, realizada no período de 24/10 a 24/11/2014.

Entre as propostas, que ampliam o acesso à informação pelas consumidoras de planos de saúde, a resolução exige que médicas e médicos apresentem um relatório esclarecendo a real necessidade de uma cesárea, quando houver justificativa clínica para a não utilização do partograma. Atualmente, no Brasil, o percentual de partos cesáreos chega a 84% na saúde suplementar. Na rede pública este número é menor, de cerca de 40% dos partos.

Entretanto, tenho observado, como consequência deste anúncio, que muitas mulheres estão “reclamando” o direito de optarem pela cesárea. Isso me fez parar para questionar se, para além de condenar a abusiva prática das cesarianas no Brasil, não estamos precisando também preencher algumas lacunas sobre o parto normal.

Tenho muitas amigas que desde a adolescência sempre diziam que só teriam um bebê se fosse de cesariana. Mas de onde elas tiraram essa ideia? Eu ainda me pergunto. Será que conversaram com outras mulheres que já têm filhos e perceberam isto em seus depoimentos? Acho pouco provável.

Você já perguntou a sua mãe, por exemplo, se você nasceu de parto normal ou cesariana? Se ela sentiu muitas dores? Se a bolsa chegou a romper ou se ela marcou uma cirurgia baseada nas orientações da médica ou médico que a atendeu? Sabe como foi o pós-operatório ou o período pós-parto? Teve alguma complicação? Foi para casa no mesmo dia? Você nasceu em casa ou no hospital? Episiotomia, mecônio, placenta prévia… você sabe o que significam essas palavras?

A verdade é que falamos muito pouco sobre gravidez e menos ainda sobre o parto antes de nos vermos diante da maternidade consumada. Porém, as construções do imaginário sobre o parto normal e/ou a cesariana são, em verdade, muito anteriores a este momento.

Tenho grande suspeita de que a representação do parto normal na nossa teledramaturgia fortaleceu esse sentimento de que a cesariana é o melhor caminho… observe como parto normal é sempre representado como cheio de complicações e repleto de dor, no limiar do desespero, enquanto na cesariana a mulher está sempre maquiada e muito emocionada, sem fazer nenhuma careta sequer. Pode parecer bobagem, mas é principalmente através dessas representações que construímos o nosso primeiro imaginário sobre o parto, já que pouco se debate sobre o tema com jovens mulheres.

Sempre que tento colocar o parto normal em pauta numa conversa com as “pró-cesarianas” sou deslegitimada pelo fato de não ter filhos ainda. Minha opinião é que além dessa nova resolução, nós (comunicadores e feministas) poderíamos contribuir com o debate “desmitificando” o parto normal, e não apenas condenando a prática da cesariana.

Afinal, como todas as escolhas que fazemos na vida, as fazemos melhor e com mais segurança à medida que temos mais informações sobre as possibilidades que temos para escolher. Convido, então, as mães que tiveram filhas ou filhos de parto normal (e que se sintam a vontade, é claro) a contribuir com esta desmitificação, espalhando os seus depoimentos por aqui e por aí. Gostaria muito de ouvi-las e estou certa de que há mais gente interessada também.

Autora

Beatriz Beraldo tem 26 anos, é feminista e doutoranda em comunicação social pela PUC-Rio. Dedica as suas pesquisas acadêmicas às intersecções entre feminismo, comunicação e consumo.

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