Com ‘bênção’ da igreja, transgênero vence preconceito e vira técnica na Itália

Marina Rinaldi, de 33 anos, é a primeira treinadora de transgênero de um time de futebol masculino na Itália.

Por Erika Zidko  Do BBC

A convite do pároco local, desde agosto de 2014, ela é a responsável pelo comando do San Michele Rufoli, um time da cidade de Salerno, a cerca de 60 km de Nápoles.

O San Michele disputa a quarta divisão do futebol italiano.

¨Pedimos à Marina que criasse esta equipe de futebol porque ela sempre esteve envolvida em projetos sociais destinados aos jovens da nossa comunidade¨, conta à BBC Brasil Michele Alfano, um dos padres responsáveis pela paróquia.

Mas Marina não é uma técnica de futebol improvisada. Antes de se submeter aos tratamentos hormonais e à cirurgia para mudança de sexo, em julho de 2013, jogou no gol de times da região de Salerno por mais de dez anos. Foi ainda treinadora de equipes juvenis de diferentes clubes.

Com a decisão de se tornar mulher, a carreira foi suspensa.

“Depois de começar a usar salto alto, eu já não pensava em vestir novamente o agasalho”, diz Marina à BBC Brasil.

“Treinar esta equipe tem sido uma experiência gratificante principalmente pelo aspecto social, pois muitos destes jovens vêm de áreas menos favorecidas e nos veem como uma oportunidade para seguirem uma carreira profissional no futebol”.

Troca de sexo

Desde criança, Marina sentia-se menina.

“Tinha os mesmos interesses de outras garotas. Gostava de histórias de princesas. Na escola, queria usar avental branco e não azul”, lembra.

“Na primeira série, apaixonei-me por um colega de classe. Mas o período mais difícil foi a adolescência, quando eu me identificava com personagens femininos que via na TV. Queria me vestir de mulher e me apaixonava sempre por garotos”.

“Por medo de decepcionar minha família, principalmente meu pai, que também jogava futebol, mantinha tudo em segredo e descarregava toda a minha frustração nos treinos e nas partidas”.

Aos 24 anos, Marina resolveu procurar ajuda médica e contar aos pais que se sentia mulher. A reação a surpreendeu.

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“Eles me deram apoio total, inclusive econômico”, conta.

Apesar de ter feito na Itália o tratamento psicológico e hormonal preparatório para a mudança de sexo, a cirurgia de reconstrução genital foi realizada em Bangkok, na Tailândia, considerado um dos países mais avançados neste tipo de operação.

A cirurgia para a construção dos seios e as despesas jurídicas para mudança de nome também ficaram por conta da família.

“Tenho a sorte de poder contar com meus pais e meus amigos. Sou muito católica e acredito que a felicidade esteja nas coisas simples. Adoro o lugar onde vivo, nunca me senti discriminada e sou feliz por ser uma mulher do sul da Itália”, explica Rinaldi.

Técnica severa e rigorosa

Dentro do campo, Marina diz ser uma técnica severa e rigorosa.

“Uma mulher treinando uma equipe masculina é algo inusitado e entendo que nossos jogadores possam sentir-se responsabilizados por isso também”.

A equipe de San Michele Rufoli é formada por cerca de 30 jogadores, com idade entre 18 e 28 anos.

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O time espera abrir agora uma nova equipe, voltada para adolescentes com idade entre 14 e 16 anos.

“Queremos que mais jovens possam se aproximar ao futebol, não apenas como um oportunidade de socialização ou de carreira no mundo esportivo, mas, principalmente, como uma possibilidade moral, em um país onde a moralidade tem sido deixada de lado em diferentes âmbitos”, afirma a italiana, que disse sonhar em visitar o Brasil fora dos circuitos turísticos.

A treinadora diz não se importar com eventuais críticas e afirma contar com uma grande torcida.

“Tenho recebido tanto apoio e incentivo por parte de amigos e jogadores profissionais que fico até sem jeito. No final, o que importa é o resultado do meu trabalho”.

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